Juiz filmado enquanto agredia e humilhava a mulher é afastado pela Corregedoria do Tribunal de Justiça de SP

 

Decisão, provisória, foi do desembargador Fernando Antonio Torres Garcia, corregedor-geral do TJ. Valmir Maurici Júnior é juiz da 5ª Vara Cível de Guarulhos

Texto original do G1

O corregedor-geral da Justiça de São Paulo, desembargador Fernando Antonio Torres Garcia, afastou nesta segunda-feira (3) o juiz Valmir Maurici Júnior, da 5ª Vara Cível de Guarulhos (Grande São Paulo), que aparece em vídeos agredindo e humilhando a mulher.

A decisão, provisória, será submetida ao Órgão Especial do Tribunal de Justiça em 12 de abril.

“O corregedor-geral da Justiça de São Paulo, desembargador Fernando Antonio Torres Garcia, no Procedimento Administrativo Disciplinar aberto pela Corregedoria Geral da Justiça do Estado de São Paulo, acaba de determinar o afastamento cautelar da jurisdição do magistrado Valmir Maurici Júnior, da 5ª Vara Cível da Comarca de Guarulhos, ad referendum do Colendo Órgão Especial do Tribunal de Justiça de São Paulo, que se reunirá no próximo dia 12 (quarta-feira)”, informou o TJ em nota.

 Vídeos mostram as agressões, ocorridas na casa em que os dois moravam, em Caraguatatuba, no Litoral Norte de SP. A mulher o acusa de violência física, sexual e psicológica.

Além do TJ, o Conselho Nacional de Justiça abriu apuração sobre a conduta do juiz. A Corregedoria do órgão abriu reclamação disciplinar contra o juiz e iria avaliar o afastamento dele do cargo. Além disso, deu cinco dias para que Maurici Júnior se manifeste. A GloboNews apurou que o ministro Luís Felipe Salomão, corregedor do CNJ, pedirá o afastamento do juiz.

O magistrado trabalha na 5ª Vara Cível de Guarulhos, na Grande São Paulo e está em férias.

Em um dos vídeos o juiz dá um tapa na cabeça da esposa; em outro, ele dá empurrões, chute e a xinga, e ela cai no chão; ambos foram gravados com um celular dela — segundo ela, em outubro de 2022. Em um terceiro vídeo, de abril de 2022, aparentemente gravado pelo próprio juiz, ele a submete a uma relação sexual — segundo ela, não consentida por não ter tido opção de escolha.

Os advogados do juiz negam “veementemente os fatos que lhe são imputados” .

A vítima e Maurici Júnior se casaram em 2021. A mulher, de 30 anos, diz que saiu de casa em 23 de novembro; o casal está em processo de separação. A violência começou depois dos seis primeiros meses de relação, segundo a defesa dela.

Em janeiro, ela obteve medida protetiva na Justiça, com base na lei Maria da Penha, que proíbe o juiz de se aproximar e de manter contato com a mulher e com pais e familiares dela. Na mesma decisão, Maurici Júnior, 42 anos, também foi obrigado a entregar a arma a que tem direito por ser magistrado.

O Ministério Público de São Paulo abriu investigação sobre o caso.

O MP trata “os fatos noticiados” como “gravíssimos” e que o juiz “demonstrou comportamento violento, manipulador, desviado, e que potencialmente colocaria em risco” a integridade da vítima e dos seus parentes. No mesmo parecer, o MP trata a mulher como “vítima” e o juiz, como “investigado”.

O procedimento está no Órgão Especial do Tribunal de Justiça de São Paulo, órgão responsável por casos do tipo de acordo com a Lei Orgânica da Magistratura.

 

A vítima conta que conheceu o juiz em outubro de 2020, quando, segundo ela, ele vivia em Santa Catarina e ela, no interior de São Paulo. Em dezembro de 2021 ela se mudou para Caraguatatuba, no litoral norte de São Paulo, para morar com Maurici Júnior.

“Eu conheci ele quando ele me mandou uma mensagem pelas redes sociais e me convidou para jantar. Na época, ele morava em Santa Catarina. Eu ficava muito com ele em Santa Catarina. E ele era uma pessoa encantadora. Parecia um príncipe (…) eu fiquei muito apaixonada”, disse em entrevistaao Fantástico da RedeGlobo.

 

A relação dos dois, conta, começou a ficar violenta aos poucos, e ela não queria o fim da relação:

“Ele sempre falou do sexo com força, mas eu não entendia o que era isso. Eu sofri todo tipo de violência com ele. Violência sexual, moral, física, psicológica. Ele usava de vários mecanismos para me deixar confusa. Ele falava: é só dar um tapa. Eu consegui perceber que saiu do contexto sexual quando eu tava na cozinha, fazendo alguma coisa, ele me dava um tapa na cara, puxava meu cabelo”,

Ela afirma que não tinha provas da violência. Foi então que ela colocou o celular no quarto, na direção da cama, para tentar flagrar agressões. A mulher conseguiu filmar um tapa dado nela pelo juiz enquanto os dois estavam deitados na cama. Também registrou xingamentos e empurrões, quando ela estava na frente dele perto da porta do quarto. Ambos os registros são de 2 de outubro de 2022, de acordo com ela.

Ao sair de casa, ela levou consigo um cofre que, segundo ela, Maurici Júnior mantinha no escritório da casa. Dentro, havia, entre outros arquivos, um vídeo aparentemente filmado pelo próprio juiz. Segundo a vítima, o vídeo foi gravado em 10 de abril de 2022.

O video mostra os dois durante uma aparente relação sexual em que a vítima aparece deitada sobre uma cama, de costas, e com os pés e mãos amarrados. Na cama, ao lado da vítima, há uma folha de papel com itens que o juiz vai riscando aos poucos — segundo a mulher, são os motivos pelos quais, para ele, ela deveria ser castigada. É possível ouvir a voz de Maurici Júnior, que dá tapas nas nádegas da vítima com uma palmatória.

Há, então, o seguinte diálogo:

Valmir Maurici Júnior: “Você se faz de cretina como meio de vitimização… você quer parar? Tá chorando?

Vítima: ela sinaliza que não com a cabeça: “Não tem dor no corpo”, diz.

Valmir: “Dor no que?”

Vítima: “Na alma”.

Valmir: “Mas a gente tá fazendo o corpo doer pra alma sarar”.

No final da gravação, ele pergunta se a mulher gostaria de ser “penetrada”, e ela mexe a cabeça em sinal de positivo.

Na entrevista, a vítima disse que não consentia com relações assim e que não tinha opção:

“Na verdade, eu nunca consenti com aquelas coisas. Eu não tinha opção. Então, a violência eu nunca consenti com nenhuma violência. Mas eu era casada”, disse a mulher. Ela afirmou ter ficado dois dias de cama depois da cena. E que “não tinha nada de fetiche” na situação.

 

O fato de a mulher ter levado o cofre da casa do casal fez Valmir Maurici Júnior acusar a esposa de furto qualificado — um inquérito a respeito está em andamento na Delegacia de Caraguatatuba. O advogado Luciano Katarinhuk, que defende a mulher, diz que a casa era dela também, porque ambos viviam juntos, e que não houve furto. O material do cofre foi encaminhado para perícia pelo Ministério Público.

Na investigação de furto qualificado que corre na Delegacia de Caraguatatuba, a Polícia Civil de São Paulo chegou a apreender um notebook com o material na casa onde a esposa vive atualmente. Mas, em janeiro, o Tribunal de Justiça determinou que a Polícia Civil entregasse o material para o Ministério Público — que abriu procedimento investigativo contra o juiz.

A vítima conta que tentou manter o casamento, mas foi entrando em desespero e chegou a tentar suicídio:

“Passava pela minha cabeça: por que eu to passando por isso? (…) Por que ele faz isso comigo? Eu tinha vergonha. Eu só queria manter meu casamento. Não queria ser julgada socialmente pelas pessoas. Eu só queria que aquilo acabasse logo. Era horrível. Um sentimento de culpa muito grande. De acreditar que de certa forma eu merecia aquilo. Eu cheguei a tentar suicídio.”

Ela dizia se sentir culpada na relação e que era humilhada pelo juiz:

“Eu queria morrer. As acusações eram muito grandes, sabe? Nunca ele estava errado. Era sempre a minha culpa. Do jeito que ele falava, do jeito que me humilhava, me chamava de burra, de fraca, que era patética. Intelectualmente ele destruía. E eu não aguentava, porque isso era todos os dias.

Ela disse que, ao sinalizar ao marido que o denunciaria, ele a intimidou mencionando a própria rede de contatos:

“Ele falava: pode ir pra polícia. Leve seus vídeos. Quando você chegar na delegacia, eu vou ser avisado. Porque eu sou um juiz, e você é só mais uma mulher louca. Não vai acontecer nada comigo. Eu nunca vou preso, eu tenho os amigos certos, pessoas influentes e poderosas. Você só vai passar vergonha, você vai ser ridicularizada”.

Além de magistrado do Tribunal de Justiça, Maurici Júnior foi professor do curso de juiz de direito no cursinho Complexo de Ensino Renato Saraiva (Cers). Diante da denúncia o Cers disse que “repudia qualquer ato de violência contra a mulher”.

A mulher vive longe de São Paulo atualmente. Em razão da medida protetiva, Valmir Maurici Júnior não pode manter contato com ela, com os pais dela e com familiares, nem se aproximar deles. Ela teve episódios de depressão, ansiedade e, em dezembro, chegou a ser internada com quadro psicótico, de acordo com laudos médicos.

Sobre como vai tocar a vida, a mulher afirma:

“Eu não tenho vida mais. Perdi vontade de tudo, perdi vontade até de viver”. Questionada sobre o que a confortaria, respondeu: “Saber que outras mulheres não vão passar o mesmo que eu passei. Porque é um preço muito alto (…) A gente nunca… uma mulher não entra num relacionamento pensando que vai ser abusada e violentada de várias formas. Eu entrei com um sonho e eu saí com um pesadelo.”

“A defesa técnica do magistrado, por seus advogados Marcelo Knopfelmacher e Felipe Locke Cavalcanti, nega veementemente os fatos que lhe são imputados e repudia com a mesma veemência vazamentos ilegais de processos que correm em segredo de Justiça., afirmaram os advogados do juiz.

“A assessoria de Imprensa do Tribunal de Justiça de São Paulo, em relação à solicitação de informações, esclarece se tratar de Procedimento Investigativo Criminal que, dada a natureza do feito, tramita em segredo de Justiça.

O desembargador relator — sorteado dentre os integrantes do Órgão Especial — responsável pela condução do procedimento, já determinou a extração de cópias e remessa à Corregedoria Geral da Justiça, para adoção das providências administrativo-disciplinares que se entenderem cabíveis”.

 

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