Especialistas apontam falta de “regulamentação” e “controle” das empresas donas das maiores plataformas
Por CNN internacional
Tentar dissociar a tecnologia do ser humano é uma missão um tanto quanto complicada hoje em dia. Há especialistas que dizem que já somos seres biônicos e que o celular virou uma extensão dos nossos braços – se não está na mão, está sempre em um lugar de fácil alcance.
Além dos smartphones, ainda temos os notebooks, TVs, tablets… Telas, telas e mais telas.
A evolução tecnológica experienciada nos últimos anos resultou em um mundo conectado como nunca antes, com distâncias “encurtadas” e um acesso à informação muito maior. No entanto, especialistas também apontam um lado “negativo” do desenvolvimento tecnológico.
Para eles, no Vale do Silício, coração da revolução digital, existem extremos opostos: polos de desenvolvimento massivo de tecnologia e uma população cada vez mais “desconectada” da vida real.
Por lá, já são vários os ex-funcionários das “Big Techs” que decidiram expor o que veem como “falta de regulamentação” e “falta de controle” de uma indústria “que é projetada, dia a dia, para dominar a atenção e gerar vícios”.
Em entrevista à CNN, Tristan Harris, co-fundador e diretor do Center For Humane Technology (ou Centro para uma Tecnologia mais Humana, em tradução livre) e ex- designer de Ética do Google, explica que há milhares de engeheiros das Big Techs que vão trabalhar todos os dias com um único objetivo: tentar entender como prender a atenção de uma pessoa e fazer com que ela sempre volte.
Ele contou, também, que as maiores e mais efetivas estratégias têm um único alvo muito vulnerável – a psicologia humana. “A compulsividade é projetada. Há engenheiros cujo único trabalho é entender como tomar a maior parte da atenção de alguém e fazer com que ela volte no dia seguinte”.
“Dois bilhões de pessoas usam o Facebook todos os dias. Mais de um bilhão usa o YouTube. É um perigo real, e devemos fazer com que as pessoas tenham consciência disso”, acrescentou Harris.
Sintomas reais
Dados recentes apontam que as taxas de solidão dobraram em anos recentes nos Estados Unidos, e experimentos simples conseguem indicar sintomas similares aos da abstinência quando se está longe do celular – estress, suor, entre outros.
Especialistas no estudo do cérebro humano explicam o vício em telas como “ciclos de recompensas frequentes e rápidos”, com potencial para alterar a forma como interagimos com os outros e com o ambiente.
“O cérebro interpreta toda e qualquer mensagem, curtida e comentário como uma recompensa. A dopamina surge no centro de prazer do cérebro e muda a forma como a mente trabalha”, explica o neurologista Adam Gazzaley.
“É como se fosse um looping infinito, e é muito difícil resistir. A linha da distração para o vício é muito tênue”, acrescentou.
John Jones, um jovem americano que praticava basquete no Ensino Médio acabou abandonando seus sonhos para o vício – que quase o levou ao suicídio. Após ter sido abusado sexualmente na infância, o rapaz contou à CNN que desenvolveu uma compulsão por telas e que “quando não estava online, estava dormindo”.
“Tudo que não fosse obrigatorio, eu não fazia. Não ia às aulas e deixei de fazer basquete. Ficava muitos e muitos dias sem falar nada”, acrescentou o jovem.
Entre jogos, vídeos no YouTube e pornografia, o John abandonou definitivamente a escola e o contato com o mundo real, até mesmo com seus próprios pais e familiares, o que, aos poucos, o levou a planejar o seu próprio suícidio.
Depois da tentativa de tirar sua própria vida, Jones entrou em uma clínica de reabilitação específica para casos de compulsão tecnológia. Por lá, em conversa com a CNN, o jovem disse ter conseguido recuperar algumas capacidades tão simples quanto a observação da natureza, se comprometeu com alguns “desafios” para retomar a vida antes do vício.
Entre outras tarefas, John listou como “metas”: Cancelar jogos, usar um celular sem acesso à internet, deixar de usar álcool, drogas e tomar café, fazer exercicio físico e promover contatos sociais,
Esperanças e esforços
Mesmo com cenários muitas vezes extremos, em que é impossível imaginar uma reversão de padrões, há quem proponha soluções para equilibrar o uso de tecnologia com as conexões “offline” da vida real.
Nas escolas Waldorf, espalhadas pelos quatro cantos do mundo, a proposta é justamente promover a educação de crianças e jovens sem o apoio de qualquer tipo de aparelho digital. A instituição defende que as crianças aprendem “vendo, fazendo, ouvindo, mexendo o corpo”, e que por isso é necessário estimular essas atividades.
Pais dos “pequenos” do Sillicon Valley têm essa percepção e, por isso, procuram soluções como as oferecidas pela Waldorf.
“Queremos continuar nutrindo a criatividade, porque sentimos que isso vai prepará-los para o que vem à medida que foram ficando mais velhos. Não queremos que eles sejam máquinas. Queremos que as crianças cresçam e se tornem bons cidadãos do mundo”, disse um dos pais dos alunos à CNN.