Palácio das Laranjeiras no Rio de Janeiro
Palácio das Laranjeiras no Rio de Janeiro

Saiba origem da fortuna que ergueu maior cobertura do país, à venda por R$ 59 milhões no Rio

Mansão suspensa de três andares foi comprada da família Guinle por José Carlos Fragoso Pires na década de 1990 e viúva tenta vender há mais de dez anos

Com Informações de Novo Milênio, Veja, O Globo é imagens da Internet
Cobertura do edifício Tucumã no Aterro do Flamengo, na orla do Rio de Janeiro

Depois de mais de dez anos sem atrair interessados, o imóvel à venda teve seu valor reduzido. A cobertura suntuosa do edifício Tucumã, na Praia do Flamengo, Zona Sul do Rio, teve abatimento de R$ 6 milhões, baixando dos R$ 65 milhões cobrados em anúncios de 2021 para os atuais R$ 59 milhões pedidos pela proprietária.

Tudo ali é grandioso, do desconto no preço, às dimensões do tríplex com vista para o Aterro e a Baía de Guanabara.  São 3.900 metros quadrados de área, incluindo sua história.

Carlos Guinle viveu por lá até os 8 anos. Membro de uma das famílias mais tradicionais e ricas na alta sociedade carioca, ele nasceu em 1971 e viveu no palacete suspenso da Praia do Flamengo até os 8 anos. Com a repercussão do vídeo do anúncio de venda, publicou um comentário relembrando histórias do lugar. A partir daí, uma extensa conversa sobre o passado do imóvel veio à tona.

Éramos eu, meu pai, minha mãe e meus três irmãos. Eu tinha meu próprio quarto e até hoje lembro do meu berço. Cada filho morava num andar. Meu pai morava no primeiro. No segundo era o meu tio, conhecido como Baby Guinle, e o Jorginho, na cobertura. A gente assistia filme, tinha uma sala de cinema, fazíamos almoços na piscina. Isso eu lembro bem”, diz Carlos.

Os andares do interminável apartamento são interligados por uma escada em forma de caracol, de mármore trazido da Europa, assim como o revestimento travertino (um tipo de mármore) das colunas na portaria do edifício.

Praticamente tudo que está ali veio da Europa: as estátuas, mudas de planta, todo o mármore da casa. Eu lembro da torneira dourada do lavabo, que tinha uma ave lindíssima desenhada. A cuba era toda de latão martelado à mão“.

Os triplex era interligado por uma escada em caracol, toda dm mármore.  “Descia a escada escorregando de pijama até lá embaixo. Meu pai ficava desesperado”, conta Carlos.

Lá no alto, o luxo espalha-se por cinco quartos, ambiente com pé-direito de 5,20 metros, salas de jantar, de estar e de jogos, além de piscina, duas saunas, jardim suspenso com árvores frutíferas, bar e adega.

cobertura do edifício Tucumã
Sala de jantar com vista para o mar com pé direito de 5 metros na cobertura do edifício Tucumã
Portaria do edifício Tucumã que possui cobertura com jardim suspenso com piscina, sauna, spa, churrascaria, sala de jogos, coleções de arte, pisos de mármore e vista para a Baía de Guanabara e o Pão de Açúcar.
Portaria do edifício Tucumã que possui cobertura com jardim suspenso com piscina, sauna, spa, churrascaria, sala de jogos, coleções de arte, pisos de mármore e vista para a Baía de Guanabara e o Pão de Açúcar.
Corredores da mansão suspensa no Tucumã
Corredores da mansão suspensa no Tucumã
Sala de estar da cobertura do Tucumã
Sala de estar da cobertura do edifício Tucumã
Ante sala de quarto da cobertura do edifício Tucumã
Ante sala de quarto da cobertura do edifício Tucumã

O império dos Guinle começa com uma história picante

O pitoresco arranjo familiar em que viviam o patriarca Eduardo, sua mulher, Guilhermina, e o sócio Cândido Gafrée, todos moradores de uma suntuosa mansão no bairro de Botafogo foi descrito em um livro lançado em 2015, “Os Guinle” (ed. Intrínseca, 39,90 reais), do historiador Clóvis Bulcão .

Além dos negócios, diz o autor, os empresários dividiam o leito com Guilhermina. E mais: dos sete herdeiros do casal, três deles (Carlos, Arnaldo e Celina) seriam filhos de Gafrée. Personalidade forte, Guilhermina era dada a excentricidades que só a riqueza descomunal lhe permitia.

Eduardo Guinle, Guilhermina e Cândido Gaffrée
Eduardo Guinle, Guilhermina e Cândido Gaffrée

Para tomar banho de mar sem sair de sua mansão de veraneio na Avenida Atlântica, ela mandou construir uma tubulação que captava água salgada, a qual, depois de passar sob o asfalto, desembocava na piscina do casarão. Seu filho Carlos seguia rituais rígidos na mansão que tinha na Praia de Botafogo, onde hoje está instalado o Centro Empresarial Argentina. Em companhia da mulher, Gilda, só jantava vestido a rigor. Ela, por sua vez, jamais dirigia a palavra aos numerosos empregados da casa — a única exceção era a governanta, que repassava as ordens da milionária à equipe. O irmão mais velho de Carlos, Eduardo Guinle, o primogênito esbanjador que ergueria o Palácio Laranjeiras, torrava fortunas em suas viagens à Europa. Certa vez, ao retornar de uma dessas temporadas, desembarcou com 300 ternos e 1 200 gravatas na bagagem.

Nenhum outro membro do clã, no entanto, ganhou tanta fama de perdulário quanto o playboy Jorginho Guinle. Neto dos patriarcas, filho de Carlos e Gilda, ele torrou sua herança com viagens, festas e mulheres. Namorou estrelas de Hollywood como Marilyn Monroe, Rita Hayworth e Hedy Lamarr, a quem recompensava com joias e outros mimos. Na juventude, vivia com uma gorda mesada de 45 000 dólares e jamais trabalhou. Acabou morrendo na penúria, em 2004. “Papai era acionista da ‘Ócio Corporation’”, brincou em 2015, Georgiana Guinle, que tinha naquele ano, 44 anos e atuava como consultora imobiliária e morava em um apartamento de dois quartos em Copacabana. Sua herança e do irmão, Gabriel Guinle, que em 2015, aos 33 anos, era agente penitenciário em Niterói, resumiu-se a alguns objetos, como louças, relógios e quadros que foram da família — uma situação inimaginável para os pioneiros que administraram empresas que iam da geração de energia elétrica à exploração de petróleo. O último negócio representativo do clã, o Banco Boavista, deixou as mãos dos herdeiros em 1997, comprado por um grupo de investidores, entre eles membros de outro clã ilustre, o Monteiro de Carvalho. “Não foi um bom negócio, o banco estava pior do que imaginávamos”, recorda o empresário Olavo Monteiro de Carvalho. “Não tem riqueza que aguente quando a família deixa de produzir e passa a queimar os bens para sobreviver”, avalia.

Voltando ao império erguido pelos Guinle, o Palácio Laranjeiras é uma ode à riqueza e à ostentação. Com três imensas alas, a construção, de 1913, tem como um dos arquitetos o francês Joseph Gire, o mesmo do Copacabana Palace.

Palácio das Laranjeiras no Rio de Janeiro
Palácio das Laranjeiras no Rio de Janeiro foi vendido para o governo federal em 1947

Trata-se de uma combinação do que havia de mais caro e prestigioso na época, com mármore italiano, granito húngaro, tacos belgas e mobiliário revestido com folhas de ouro vindas da França. A entrada é guardada por dois leões de pedra, em tamanho natural, esculpidos por Georges Gardet, cujas obras decoram o Jardim de Luxemburgo, em Paris. Comprado pela União nos anos 40, o imóvel pertence hoje ao governo do estado e é usado em encontros e cerimônias que exigem pompa e circunstância. Quando marcava reuniões no local, o ex-governador Sérgio Cabral tinha por hábito exibir aos visitantes o inacreditável banheiro principal, todo feito com mármore de Carrara, incluindo peças sanitárias, revestimento e piso. Tamanha opulência teve um preço. Para erguer o palácio, o empresário Eduardo Guinle (1878-1941) enterrou na propriedade quase todo o quinhão que herdou como primogênito de sua família e foi à falência. Com seus detalhes rebuscados, o imóvel é, ao mesmo tempo, um monumento ao requinte e ao esbanjamento, características que se tornaram as marcas do clã. Pródigos em acumular riqueza, os Guinle também torraram a sua fortuna em uma escala monumental, o que acabou levando à derrocada financeira da linhagem. “Embora o empreendedorismo fosse a marca da família, a gastança também era. Eu, por exemplo, não herdei nada”, diz o arquiteto Eduardo Campello Guinle, 60 anos, dono de uma grife de roupas que leva o seu nome e bisneto do idealizador do palacete.

A fortuna colossal dos Guinle teve como origem um armazém de produtos importados fundado pelo patriarca, Eduardo Palassin Guinle (1846-1912), no centro do Rio, em 1870. Do comércio batizado como Aux Tuileries, administrado por Eduardo em parceria com seu sócio, Candido Gaffrée (1844-1919), os negócios se ramificaram na construção de estradas e ferrovias e no setor imobiliário. Em 1888, a dupla de empresários deu o passo que os tornaria fabulosamente ricos: conseguiu a concessão para reformar e administrar o Porto de Santos, a caminho de se transformar no escoadouro de toda a produção de café do país. Durante 92 anos, a família abasteceu seus cofres com o dinheiro advindo da exploração comercial do porto, que chegava a render 24 bilhões de dólares por ano, em valores de hoje.

Foto de 1936 retratata monumento erguido em homenagem aos milionários que construíram o Porto de Santos em São Paulo, Eduardo Guinle e Cândido Gaffrée
Foto de 1936 retratata monumento erguido em homenagem aos milionários que construíram o Porto de Santos em São Paulo, Eduardo Guinle e Cândido Gaffrée
Monumento ainda é destaque na Praça Barão do Rio Branco em Santos
Monumento ainda é destaque na Praça Barão do Rio Branco em Santos

Por cinco anos, Bulcão esmiuçou a ascensão e o início da decadência do clã, que, além do Palácio Laranjeiras, legou à cidade monumentos como a sede do Parque da Cidade, na Gávea, o casarão da Ilha de Brocoió, na Baía de Guanabara, o Hospital Gaffrée e Guinle, na Tijuca, e o mais emblemático de todos, o hotel Copacabana Palace, de 1923.

“É uma história que se entrelaça com alguns dos acontecimentos mais importantes do Rio no século passado e tem detalhes desconhecidos dos próprios descendentes”, diz o autor, que se concentrou nas três primeiras gerações do clã, hoje com mais de 150 membros.

 

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