Funcionárias relataram dezenas de casos de assédio e importunação por meio de aplicativo de mensagens
A Petrobras diz ter comprovado 10 casos de assédio sexual e importunação sexual de um conjunto de 81 denúncias feitas entre 2019 e 2022.
Após dezenas de relatos feitos por funcionárias da empresa, a Petrobras decidiu, em abril de 2023, promover um raio-x nos casos que foram levados à ouvidora a partir de 2019 –ano em que as apurações passaram a ser centralizadas pela ouvidoria.
Cerca de dois meses depois, a empresa afirma ter concluído a investigação de 80 casos –há uma apuração ainda não encerrada. Em dez casos, a empresa diz ter comprovado total ou parcialmente os fatos relatados — o equivalente a 12,34% do total de denúncias registradas na ouvidoria.
A estatal afirmou que cinco denúncias resultaram em demissão. Já os outros casos, de acordo com a gravidade dos fatos confirmados, acarretaram suspensões ou providências administrativas, como, por exemplo, afastar o assediador do convívio da vítima, com mudança de setor ou unidade.
Com sede no Rio de Janeiro, a empresa não informou onde ocorreram os casos.
Em abril, a Petrobras prometeu diminuir de 180 para 60 dias o prazo para a conclusão da apuração das denúncias, além de centralizar a investigação na área de Integridade Corporativa e oferecer atendimento psicológico às vítimas.
A Petrobras contabilizou quatro novas denúncias de assédio (duas em 2023, uma em 2022 e outra sem ano identificado) e outras 15 denúncias de importunação sexual (7 em 2023, 7 de períodos anteriores e um não tem identificação de data). Esses casos estão em apuração.
Segundo o diretor de governança da Petrobras, Mário Spinelli, “o assédio sexual envolve uma conscientização de todos os envolvidos, de todos os níveis da companhia” e que, por isso, tem sido um assunto muito debatido dentro da empresa.
Ele afirma que desde abril, o grupo de trabalho tem procurado criar um ambiente que acolha as vítimas e ofereça atendimento psicológico, mesmo que não seja feita uma denúncia.
Sobre o número de denúncias feitas aos canais de atendimento, Spinelli entende que as funcionárias se sentiram mais seguras para denunciar e que “parece evidente que exista uma procura maior pelo serviço”.
Segundo o Sindipetro-RJ apenas 17% do quadro de funcionários da empresa é composto por mulheres. Nas refinarias, a proporção é bem menor.
Denúncias vieram à tona em grupo de WhatsApp. Funcionárias da Petrobras relataram assédio e abusos sexuais: ‘era proibido trancar a porta’
Em um grupo de WhatsApp, funcionárias da Petrobras relataram dezenas de episódios de assédio sexual cometido por colegas de trabalho e superiores hierárquicos quando estavam embarcadas em plataformas e também em outras unidades da empresa, como o Centro de Pesquisas (Cenpes).
“A gente botava cadeira na porta à noite porque era proibido trancar… Uma amiga passou por uma situação bizarra. Chegou no camarote e tinha um cara mexendo nas calcinhas dela”, dizia uma das mensagens.
“A recepcionista da gerência que eu trabalhava teve o seio apalpado por um petroleiro, dentro da empresa. O caso virou o escândalo da gerência e todo mundo soube do caso, mas a chefia não fez nada. A moça foi transferida de área”, afirmava outro relato.
Em 2022, um petroleiro foi denunciado pelo Ministério Público do Rio por assédio e importunação sexual contra uma mulher que prestava serviços à empresa. Uma investigação interna foi aberta pela ouvidoria, mas foi arquivada, sem punição, sob a alegação de falta de provas. Mas a estatal demitiu o funcionário seis meses depois tomar conhecimento do caso e as denúncias feitas pela Promotoria.
Depois das mensagens virem à tona, o presidente da Petrobras, Jean Paul Prates, afirmou que a empresa vai fortalecer medidas de combate ao assédio.
A analista Aline Silva Mendes Pinto é funcionária terceirizada e denunciou à Ouvidoria da Petrobras ter sido vítima de assédio sexual no Edifício Senado, na cidade do Rio de Janeiro. O abuso, segundo a denúncia, foi cometido por um colega de trabalho, após diversos episódios de importunação. Ela relata que o caso mais grave foi em julho do ano passado, após retornar do almoço e ser abordada pelo funcionário. Os dois estavam sozinhos na sala.
“Ele colocou o celular em cima da mesa e foi quando ele tentou colocar a mão em mim. Eu olhei para ele e vi que ele estava de perna aberta e eu vi que as partes dele estavam avantajadas. Aquilo foi me causando um nervosismo, uma aflição. Ele continuou com um dos pés no chão e o outro prendendo a minha cadeira. Eu levantei e ele veio por a mão dele em mim, e aí eu empurrei a mão dele e saí em retirada dali. Eu estava ali sozinha, eu não tinha com quem falar, pedir ajuda”, contou.
Nos dias seguintes, Aline diz que comunicou seus superiores diretos, além de registrar uma queixa na Ouvidoria da Petrobras e na Polícia Civil. O inquérito policial, segundo ela, não teve andamento. Já em relação à investigação interna da estatal, a funcionária recebeu um e-mail em dezembro do ano passado comunicando que não foi possível confirmar o abuso sexual por falta de testemunhas, imagens ou documentos.
Com a mudança de política nas investigações sobre os assédios, Aline espera que o caso dela seja revisto e cobra punição do agressor.
“Na época, eu estava grávida e, infelizmente, depois disso, eu tive um aborto. Eu tive perdas irreparáveis. E isso que eu estou dando é um grito de socorro. Eu esperava mais importância no meu caso, mesmo porque não foi um caso que eu escondi. Foi um caso que todos os gestores ficaram sabendo. Hoje eu estou trabalhando 100% dentro da minha casa e ele está indo trabalhar normalmente”, revelou.
Questionada pela reportagem, a Petrobras disse que a apuração da área especializada “não confirmou a autoria do ato relatado, mesmo ouvindo testemunhas e buscando eventuais provas documentais”.
A coordenadora do coletivo de petroleiras da Federação Única dos Petroleiros (FUP), Patrícia Jesus, acompanhou os trabalhos do grupo de trabalho dedicado aos casos de assédio sexual na Petrobras e afirma que as medidas adotadas pela empresa deram mais acolhimento e celeridade às investigações.
“Nós pedimos nessa conversa com GT (grupo de trabalho) que a vítima fosse ouvida por uma equipe multidisciplinar que fosse composta por mulheres… uma assistente social, uma psicóloga, que tivesse um ambiente que ela se sentisse à vontade para contar o o assédio sofrido e se sentir segura. Também é muito importante essa confidencialidade, porque temos vítima que quer fazer a denúncia, mas ela não quer se expor”, explica a coordenadora do coletivo.
Ela ressalta que a FUP e outras entidades sindicais também têm reforçado que é necessário o trabalho de conscientização para orientar quem foi alvo de investigação. “Não é só tirar o cara de um ambiente de trabalho e mudar para outro, e ele continuar fazendo a mesma coisa no outro lugar. Ele tem que se conscientizar de que o que ele fez é errado. Então, para isso, a empresa tem nessa proposta do grupo de trabalho montar um curso de masculinidade tóxica”, disse.
Em nota, a Petrobras se explicou. Leia íntegra da nota da Petrobras:
“Em abril de 2023, com o objetivo de construir um ambiente livre de Violência Sexual, foi criado na Petrobras um Grupo de Trabalho, para rever, analisar e propor melhorias e revisões de padrões, processos e ações relativas à prevenção, detecção e correção de violências sexuais. Foram analisados os casos pretéritos para entender o conjunto das manifestações recebidas, com intuito de realizar um diagnóstico. Após análise se concluiu que os processos estabelecidos, embora condizentes com as boas práticas empresariais, tinham oportunidades de melhoria.
Em relação ao processo de tratamento de denúncia, houve a centralização da apuração de todos os casos de Violência Sexual em única área especializada; Redução do prazo de tratamento de denúncias de violência sexual de 120 dias para 30 dias, prorrogáveis por mais 30 dias; Revisão do padrão de Tratamento de Denúncia, para conferir foco na vítima e a antecipação de mecanismo de sua proteção a partir da denúncia, com a avaliação de Medidas cautelares cabíveis; devolutiva humanizada para o denunciante ao longo do processo de tratamento da denúncia; estruturação de ações de pós denúncia, compreendendo medidas restaurativas para melhoria da ambiência.
Além disso, a Petrobras estabeleceu um Canal de Acolhimento, aberto à toda a força de trabalho, voltado para vítimas de assédio ou violência sexual. A partir de agosto ele passa a incluir um atendimento proativo. Paralelamente ao tratamento e à investigação da denúncia, uma equipe multidisciplinar irá procurar essas mulheres, de forma proativa, para realizar escuta e atendimento psicológico. Essa fase é um complemento à etapa inicial do projeto, lançada em maio, quando foram abertos canais voluntários de atendimento online, telefônico e presencial.
Em relação à prevenção e conscientização, foram adotadas as seguintes medidas: elaboração de plano de capacitação para públicos específicos; inclusão do tema assédio como pauta fixa como abertura nos Encontros com a Diretoria; Estruturação de Diretriz e Cartilha para Prevenção e Enfrentamento ao Assédio e à Discriminação; Revisão das disposições sobre combate à violência sexual na minuta contratual padrão da Petrobras; Divulgação do balanço de medidas disciplinares; Disponibilização do EAD Obrigatório sobre Violência Sexual.
Quanto à denúncia mencionada, a apuração de nossa área especializada não confirmou a autoria do ato relatado, mesmo ouvindo testemunhas e buscando eventuais provas documentais”.