Defesa do ex-governador do Rio, Sérgio Cabral, alegou que a acusação se baseava apenas em depoimentos
O TRF-2 trancou nesta quarta-feira (9) uma ação penal em que o ex-governador do Rio de Janeiro, Sérgio Cabral é acusado de receber propina da empreiteira Queiroz Galvão.
Os desembargadores concordaram com a alegação da defesa do ex-governador de que a acusação se baseava apenas no depoimento de delatores. Ela foi feita no âmbito da Câmbio, Desligo, operação que que mirou mais de 50 doleiros e prendeu os irmãos Renato e Marcelo Chebar, apontados como “laranjas” de Cabral. Ainda cabe recurso da decisão do TRF-2.
O ex-governador do Rio Sérgio Cabral deu detalhes nesta terça-feira (26) de como recebia propina e desviava milhões de reais dos cofres públicos. Segundo ele, o apego ao poder e ao dinheiro era um vício.
Em 2019, Sérgio Cabral contou sem nenhum constrangimento como começava uma negociação para assaltar os cofres públicos.
“Quando acabou a eleição, eu fiz questão de dizer para o Sérgio Côrtes: ‘Ó, tem um contrato já em vigor, o Arthur é que coordena a arrecadação dos recursos, vamos combinar uma propina aqui que seja se 3% para mim e 2% pra você’”.
Arthur Soares já era o maior fornecedor do estado quando Sérgio Cabral assumiu o governo, e Sérgio Côrtes, o secretário de Saúde. O ex-governador disse que eles podiam ter roubado até mais.
“A tradição era de 10%, 20%, 30%. E aqui não quero me eximir, querendo ser bonzinho não, por cobrar 5%. Mas essa era a tradição do segmento”.
Pela primeira vez, Cabral admitiu que o dinheiro mantido no exterior por doleiros era dele: US$ 100 milhões.
“Quero dizer que é verdade o fato de que o dinheiro dos irmãos Chebar era meu dinheiro sim”.
Sérgio Cabral contou que o vice dele na época também recebia propina. Luiz Fernando Pezão foi ainda secretário de Obras e depois sucedeu a Cabral no governo. Pezão está preso desde novembro de 2018.
“O do Pezão eu dava, mandava entregar para ele. Eram cerca de R$ 150 mil por mês”.
Cabral revelou os custos com a campanha de Pezão.
Cabral: A campanha do Pezão em 2014 custou R$ 400 milhões.
Bretas: E quanto foi contabilizado?
Cabral: R$ 70 milhões.
O ex-governador mostra no depoimento que sabia da consequência mais cruel da corrupção. Ao desviar dinheiro público estava prejudicando a população. A propina deixava contratos mais caros e pessoas com menos assistência
“Excelência, se nós não tivéssemos feito o acordo, pagaria-se menos. Se nós pagamos 100, podíamos ter pago 90. Podíamos ter pago 95, podíamos ter pago 85, poderia ter concorrência. Nós atendemos a milhões de pessoas. Agora, podíamos ter atendido mais”.
Sérgio Cabral revelou que os empresários que davam propina para ele também contribuíram para a campanha do ex-prefeito Eduardo Paes. Entre eles, Miguel Iskin que vendia equipamentos médicos para o governo e era um dos principais articuladores do esquema corrupção.
“Eduardo Paes jamais recebeu nenhum tipo de benefício, entretanto, na campanha dele de 2008, o senhor Miguel Iskin deu dinheiro para a campanha dele, deu mais de R$ 1 milhão para a campanha dele. O Arthur Soares deu para a campanha do Eduardo Paes, se não me falha a memória, alguma coisa em torno de R$ 3 milhões a R$ 4 milhões e depois até reclamou muito, porque serviços não foram dados a ele. Ele acabou até ganhando o centro, depois que o Eduardo inaugurou, aquele Centro de Controle de Tráfego”.
Bretas: Essa licitação foi a partir de uma reclamação.
Cabral: Por não ter sido aquinhoado por ter ajudado muito.
Cabral foi perguntado pelo juiz Marcelo Bretas se Eduardo Paes estava envolvido na organização. O ex-governador negou, mas disse que ajudou a recolher dinheiro via caixa dois para a campanha de Paes na prefeitura do Rio em 2008 com a ajuda do deputado federal Pedro Paulo, do MDB.
“Eduardo Paes era meu secretário de Esporte e Lazer levei ele para ser prefeito,…. nunca pedi favor para ele como governador nem ele pediu como prefeito, mas eu ajudei ele com caixa 2 de uma questão minha, pessoal, que era todo dinheiro que eu pegava com algum empresário, pedia para a campanha dele, queria que o Pedro Paulo estivesse junto, ele pegava o dinheiro.
Cabral falou também sobre esquema de propina na contratação de Organizações Sociais que gerenciam unidades de saúde e, sem dar detalhes, valores e datas, levantou suspeitas contra a Arquidiocese do Rio e o cardeal arcebispo Orani Tempesta.
“Eu não tenho dúvida de que deve ter havido esquema de propina com a OS da Igreja Católica, da Pró-Saúde. Eu não tenho dúvida, o dom Orani devia ter interesse nisso. Com todo respeito ao dom Orani, mas ele tinha interesse nisso, tinha o dom Paulo, que era padre e tinha interesse nisso, e o Sérgio Côrtes nomeou a pessoa que era o gestor do Hospital São Francisco. Essa Pró-Saúde certamente tinha esquema de recursos que envolvia inclusive religiosos”.
O ex-governador disse que não resistiu às tentações do poder.
“Esse meu erro, erro de postura, não é, de apego a poder, a dinheiro, a tudo isso, isso é um vício”.
Cabral, que responde em liberdade dos recursos que apresentou contra suas condenações na Lava Jato, foi o governador mais próximo do agora, novamente presidente da República Lu´z Inácio Lula da Silva (PT) durante seu segundo mandato. Já em 2017, em Maricá, Lula declarou que “a Lava Jato não pode fazer o que está fazendo com o Rio de Janeiro”, “o Rio não merece ter governadores presos porque roubaram” e que “eu nem sei se isso é verdade porque não acredito em tudo o que a imprensa fala”.
Em 2020, Sérgio Cabral afirmou à Polícia Federal que o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva lhe pediu que o Estado contratasse uma empresa ligada ao seu filho, Fábio Luís Lula da Silva. O pedido, segundo o corrupto confesso, seria uma “contrapartida pelas parcerias do governo federal” com o Rio de Janeiro.
Cabral disse ainda que intercedeu junto ao ex-prefeito Eduardo Paes (DEM) para que também beneficiasse as empresas de Lulinha, o que acabou ocorrendo. As firmas vinculadas ao filho do presidente receberam mais de R$ 40 milhões com os acordos. A força-tarefa investiga o uso de firmas de Fábio Luis e do empresário Jonas Suassuna, que segundo a Lava Jato era Laranja como dono de parte do sítio de Atibaia (SP) pertencente ao ex-presidente para pagar despesas pessoais da família de Lula. A origem desses recursos, segundo a investigação, foi principalmente a companhia de telefonia Oi. As afirmações de Cabral foram feitas numa “autodeclaração” à PF de Curitiba, no escopo da ooperação Mapa da Mina.
Solto no fim do ano passado depois de cumprir seis anos de prisão preventiva, o ex-governador do Rio responde a 34 ações penais ligadas à Lava Jato, com 18 condenações ainda válidas. Lula não foi inocentado dos crimes de roubo de dinheiro público aos quais que foi condenado, mas teve todas as condenações e processos anulados pelo Supremo Tribunal Federal.