Investigação da venda ilegal de presentes recebidos pelo ex-presidente Jair Bolsonaro avança também sobre transações da ex-primeira-dama
A Polícia Federal pediu ao Supremo Tribunal Federal (STF) a quebra do sigilo bancário e fiscal da ex-primeira-dama Michelle Bolsonaro. A PF está analisando o material apreendido na operação de sexta-feira (11), que investiga indícios de venda ilegal de presentes de alto valor entregues ao governo Bolsonaro.
Os investigadores começaram a analisar neste sábado (12) o material apendido na operação – autorizada pelo ministro do Supremo Alexandre de Moraes.
Na sexta (11), a PF apreendeu o celular do general da reserva Mauro Cesar Lourena Cid, pai do ex-ajudante de ordens de Bolsonaro, Mauro Cid, que também é investigado.
O aparelho foi desbloqueado e está sendo periciado. Além disso, a PF analisa um HD que estava dentro de uma mala na casa de Mauro Lourena Cid.
A polícia ainda apreendeu mídias e computadores nos endereços de outros investigados: o advogado Frederick Wassef, que já defendeu a família Bolsonaro, e o segundo tenente Osmar Crivelatti, que foi ajudante de ordens de Bolsonaro, e hoje é assessor pessoal na cota a que ele tem direito como ex-presidente.
Segundo a PF, há fortes indícios de que os quatro negociaram e venderam, ilegalmente, joias e outros presentes de alto valor recebidos por Bolsonaro em viagens oficiais. A Polícia Federal identificou a negociação de quatro conjuntos de joias e objetos. Dois chegaram a ser vendidos e tiveram de ser recomprados quando o Tribunal de Contas da União determinou que eles fossem devolvidos.
A análise do material apreendido na sexta vai servir para a polícia decidir quais serão os próximos passos da investigação. A PF espera encontrar, por exemplo, mais mensagens entre os investigados – que podem ajudar a esclarecer todo o esquema. E quer rastrear o caminho do dinheiro obtido com a venda dos presentes, além de descobrir de onde veio o dinheiro para recomprar alguns deles.
A policia já pediu ao governo americano acesso as informações da conta bancária do general da reserva Lourena Cid. Os investigadores apontam que ele, que foi colega de Bolsonaro na academia militar das agulhas negras, “seria a pessoa responsável por receber, em nome e em benefício de JAIR MESSIAS BOLSONARO, os recursos decorrentes da venda dos bens. Por fim, identificou-se que os recursos auferidos com as vendas eram encaminhados em espécie para JAIR BOLSONARO, evitando, de forma deliberada, não passar pelos mecanismos de controle e pelo sistema financeiro formal.”
Os investigadores também conseguiram ter acesso a um recibo que prova que, no fim de março, Mauro Cid sacou US$ 35 mil de uma conta em Miami no dia em que, segundo a PF, ele recomprou parte dos presentes para entregar ao TCU. Na representação apresentada ao supremo, a PF escreveu que “os elementos de prova colhidos demonstram que a “operação de resgate” envolveu MAURO CID, OSMAR CRIVELATTI e MARCELO CAMARA. No mesmo contexto, MAURO CID sacou a quantia de 35 mil dólares no Banco BB Américas, possivelmente de sua conta bancária, trazendo os recursos em espécie para o Brasil.”
Para a Polícia Federal, os elementos reunidos pela investigação indicam que havia uma organização criminosa no entorno do ex-presidente Jair Bolsonaro e que o grupo sabia que não podia vender os presentes no exterior.
Numa conversa, em março deste ano, Marcelo da Silva Vieira, que foi o chefe do gabinete de Documentação História da Presidência, lembra a Mauro Cid que a legislação atual tem restrições para essas negociações. Na mensagem, Marcelo fala que mesmo os itens privados são de interesse público. E cita um artigo da lei que prevê que:
“Os acervos documentais privados dos presidentes da República integram o patrimônio cultural brasileiro e são declarados de interesse público e são sujeitos às seguintes restrições:
I – em caso de venda, a União terá direito de preferência; e
II – E OS ITENS não poderão ser alienados para o exterior sem manifestação expressa da União.”
Pela lei, os presentes recebidos pelo presidente da República ou integrantes do governo durante viagens e compromissos oficiais devem ser registrados no acervo da Presidência como de interesse público e incorporados ao patrimônio cultural brasileiro.
A lei estabelece como exceção itens consumíveis, como frutas típicas ou bebidas, e os considerados de uso personalíssimo, como roupas e perfumes.
A PF também investiga se o grupo desviou outros bens de alto valor do acervo público. Segundo investigadores, há indícios de que, ao longo do governo Bolsonaro, o gabinete responsável pela análise e definição do destino de presentes oferecidos por uma autoridade estrangeira ao presidente da República passou a adotar um entendimento que facilitava o repasse de presentes ao acervo privado de Bolsonaro. E segundo a PF, isso foi usado para garantir vantagens ao ex-presidente.
“O referido entendimento firmado pela GADH, na gestão do ex-presidente da república JAIR BOLSONARO, além de chancelar um enriquecimento inadmissível pelo Presidente da República, pelo simples fato de exercer uma função pública, proporciona a possibilidade de cooptação do chefe de Estado brasileiro, por nações estrangeiras, mediante o recebimento de bens de vultosos valores.”
Bolsonaro não foi alvo de busca na operação porque a Polícia Federal avaliou que isso não era não era necessário nesse momento. O ex-presidente já foi alvo em operação anterior que investigou a falsificação do cartão de vacinação dele. Mas diante do que já foi descoberto, a PF pediu ao Supremo Tribunal Federal a quebra dos sigilos bancário e fiscal do ex-presidente e também da ex-primeira-dama Michelle Bolsonaro. O Supremo está analisando o pedido.