Estelionatários se aproximam das vítimas pelas redes sociais, fazem com que elas se apaixonem e pedem dinheiro “emprestado”
Não é só a carência afetiva que faz com que mulheres de variadas classes sociais e de diversas formações educacionais e intelectuais caiam em golpes de romances falsos.
A maioria acredita realmente que do outro lado há alguém em que pode confiar, até mesmo sem nunca ter encontrado ou visto pessoalmente.
A confiança depositada em alguém que você nunca viu pessoalmente a ponto de emprestar dinheiro pode acontecer por diversos motivos além da carência. A paixão, a pressão social para encontrar um parceiro e até mesmo distúrbios mentais e curiosidade seguida de traição virtual podem levar a perda de grandes quantias em dinheiro .
No Brasil, o golpe do namoro virtual continua acontecendo, mesmo depois de ser bastante divulgado pelas autoridades, e inclusive nas redes sociais, onde a maioria das vítimas são encontradas pelos golpistas.
Os estelionatários fingem ser estrangeiros em altas posições, no caso mais comum, militares dos Estados Unidos. Após o contato pelas redes sociais, estabelecem o que seria um romance, e depois de perceberem a vulnerabilidade começam a pedir dinheiro para as vítimas.
Em alguns casos pedem pequenas quantias, como R$ 20 reais alegando alguma emergência e fingindo serem desorganizados. O dinheiro é devolvido rapidamente e faz com que a vítima passe a confiar no estelionatário.
Depois disso o romance é mantido, às vezes por longos períodos. Depois, que ganham a confiança para a aplicação do golpe.
No Brasil, 4 em cada 10 brasileiras dizem já ter sofrido algum golpe de namoro virtual ou conhecem alguém que foi vítima, aponta pesquisa da organização “Era Golpe, Não Amor”, uma parceria da empresa Hibou, especializada em pesquisa e insights de mercado, da Associação Brasileira de EMDR (nome da terapia que usa uma estimulação dupla para ajudar os pacientes a processarem memórias difíceis) e o Ministério Público de São Paulo.
Foram entrevistadas 2.036 mulheres de todo o país, considerando a divisão proporcional de raça, idade e classe social, por meio de formulários virtuais em março de 2023. O estudo apresenta 2,2% de margem de erro e 95% de intervalo de confiança.
Segundo o promotor Thiago Pieronom do Ministério Público do Distrito Federal e Territórios (MPDFT) e que participou do levantamento do Núcleo de Gênero do MPDFT, que analisou 240 casos de estelionato sentimental registrados pela Delegacia de Atendimento à Mulher do DF, desde 2018.
Para ele, existe uma explicação social para isso.
“A necessidade de estar em um relacionamento afetivo para se realizar na vida, essa exigência social é muito mais forte para mulheres do que para homens. Isso torna as mulheres mais vulneráveis a aceitar coisas que normalmente não parecem muito normais”, diz.
O promotor alega que, dentro dessas relações de gêneros, existe uma indução de que o homem pode e deve tomar as decisões referentes ao patrimônio e à administração de dinheiro.
“Então, quando a mulher entra nesse relacionamento afetivo, há uma pressão maior para que ela delegue essas decisões importantes para o homem e confie cegamente nele”, diz.
Segundo a pesquisa, os alvos dos estelionatários são mulheres entre 40 e 70 anos. O perfil está mais diverso, abrange mulheres casadas, solteiras, divorciadas, que podem ter diploma universitário e com ou sem uma renda alta. Isso porque as de baixa renda ainda podem fazer empréstimos.
Quando a mulher é casada, o bandido vê uma segunda oportunidade: pedir nudes para chantageá-la.
A maioria das vítimas são brancas, aponta o levantamento do MPDFT.
No Brasil, 5,5% dos golpes em relacionamentos aconteceram inteiramente pela internet.
O mais comum é o bandido, depois de ganhar a confiança da vítima, alegar que tem um pacote preso no aeroporto, que precisa de uma grande quantia para ser liberado pela alfândega. O criminoso diz que o pacote pode conter presentes, documentos ou joias, por exemplo. Mas ele nunca chegará para a vítima.
Além disso, cerca de 29% das mulheres que sofrem esse tipo de golpe afirmam que o bandido pediu para que elas pagassem um boleto, aponta pesquisa da organização “Era Golpe, Não Amor”.
Há ainda outra questão: muitas vezes, os valores pedidos são pequenos para a capacidade de gastos das vítimas. Apenas 14% das entrevistadas alegaram ter perdido mais de R$ 5 mil.
Depois que o dinheiro é enviado, o bandido pode sumir ou continuar “namorando” a vítima, para tentar receber mais dinheiro.
Segundo o site de um antivírus, o kaspersky, com os golpes de romance com militares, os fraudadores podem usar o nome e a aparência de um soldado real ou criar um perfil inteiramente falso. Eles enviam mensagens que parecem legítimas, talvez se apresentando como se estivessem no fim de suas carreiras, geralmente com filhos mais velhos e tendo perdido suas esposas de maneira trágica.
As mensagens são rebuscadas, com jargão, títulos e locais de bases militares, o que pode impressionar. Eles começam a estabelecer uma forte conexão emocional, mas antes que os encontros pessoais aconteçam, o “soldado” entra em ação.
Então, surgem pedidos de dinheiro, talvez para instalar uma conexão de Internet confiável, pagar voos de volta para casa ou complementar supostas “limitações” do seguro-saúde ou plano de aposentadoria militar.
Em muitos casos, esses golpistas têm cúmplices, que se passam por médicos ou advogados para conseguir um fluxo constante de dinheiro. Os golpes de romance com militares podem se arrastar por meses ou até anos antes que as vítimas suspeitem.
Golpes com relações íntimas também são comuns. Os falsos pretendentes entram em contato com as vítimas que moram no exterior e “ficam amigos” delas em vários sites de redes sociais. Após um período de intensos galanteios, o golpista pede à vítima que ela ligue a webcam para que possam conversar.
A webcam do fraudador está misteriosamente quebrada, mas ele elogia a vítima e, através de uma combinação de bajulação e persistência, convence a “parceira” a se despir parcialmente ou realizar atos íntimos. Então, o golpista revela sua verdadeira identidade. Ele alega ter gravado um vídeo e ameaça compartilhá-lo com amigos em comum nas redes sociais ou publicá-lo na Internet se a vítima não enviar dinheiro a ele.
Assim que a vítima concorda, o ciclo começa. As exigências aumentam até que a vítima se recusa a pagar.
Mas além da perda ffinanceiraem golpes de romance pela Internet, há perigo real e se concretiza quando a tela do computador ou do smartphone não separa mais as partes.
Um rapaz marcou encontro com uma adolescente, em Manaus, após se conhecerem por um aplicativo de namoro. Ele acabou cometendo um assalto, levando os pertences da vítima. A adolescente denunciou e ele foi preso.
Os homens também são vítimas desse tipo de golpe aplicado à partir da internet e no Brasil muitos casos terminam em tragédia.
O empresário David Dal Rio, de 34 anos, foi achado morto em seu apartamento em junho deste ano , em Vitória (ES), um dia após supostamente ter se encontrado com um homem com quem marcou encontro em um aplicativo de relacionamento.
Após matar o empresário, o suspeito roubou o carro da vítima e deixou o local, dirigindo por diversos bairros da cidade.
A polícia rastreou o veículo, abordado no bairro Mata da Praia, e o prendeu.