Pedido de recuperação judicial nos EUA mostra que empresas estão tendo dificuldades e preocupa governo
A situação financeira das empresas aéreas, pode ter um motivo comum. Elas até hoje não teriam se recuperado do período mais agudo da pandemia de Covid-19.
Este seria um dos motivos para a fragilidade da viabilidadeeconômicado setor, e tem sido motivo de preocupação dentro do governo.
Segundo a presidente da Associação Brasileira das Empresas Aéreas (Abear), Jurema Monteiro, por causa dos efeitos da pandemia, as empresas aéreas acumulam um prejuízo de cerca de R$ 45 bilhões.
Monteiro defende que uma ajuda governamental, poderia incentivar a retomada dos investimentos e crescimento do setor.
“Toda vez que fazemos uma nova operação –abre-se uma base, liga-se destino a outras origens—estamos desenvolvendo com isso não só uma rota aérea, e sim uma série de serviços que são impactados direta e indiretamente por conta do transporte aéreo”, afirma a presidente da Abear.
As finanças das empresas aéreas importam para o governo porque, assim como os demais modais de transporte, como o fluvial, o ferroviário e rodoviário, por exemplo, o setor de aviação tem relação com o desenvolvimento econômico do país.
Além disso, há o impacto negativo que o cancelamento de passagens tem sobre a opinião pública, quando empresas do setor fecham as portas e deixam milhares de passageiros sem embarcarem.
Esse não é o caso da Gol, que apesar de recorrer à Justiça por causa das dívidas, mantém suas operações normalmente.
O endividamento das empresas é claramente o motor propulsor de crescimento e investimento das companhias. Para voar, as empresas recorrem a créditos em instituições financeiras, com fornecedores de insumos e com milhares de passageiros que pagam antecipadamente por suas passagens.
O setor é muito vulnerável a choques na economia e muitas vezes o crescimento esperado não acontece, levando ao desequilibrio e queda.
A companhia aérea Gol (GOLL4) divulgou na última segunda-feira (29) que seu endividamento é de R$ 20,176 bilhões de acordo com o fechamento de dezembro. A companhia deve para mais de 50 mil credores, com o banco BNY Mellon, Aeronáutica, Vibra Energia e Boeing encabeçando a lista.
Para base de comparação, a rival Latam devia em 2020, US$ 18 bilhões.
As ações GOLL4 fecharam o dia em queda de 33,6%, cotadas a R$ 3,93. Durante o pregão, a negociação chegou a ser interrompida após o juiz da corte de falências de NY aceitar o pedido da aérea para fazer um empréstimo “Deptor-in-Possession (DIP) de US$ 950 milhões. Essa é uma modalidade de crédito voltada a companhias que passam por situação financeira delicada.
Agora, casas revisatam suas recomendações para os papeis e a B3 começou a excluí-los de todos os índices dos quais a companhia faz parte, após o fechamento do pregão da terça-feira (31).
Entre os credores, o maior montante (US$ 539,9 milhões) é devido ao The Bank of New York Mellon (BNY Mellon). Este possui diversos títulos a vencer em diferentes datas.
O Comando da Aeronáutica aparece na sequência da lista protocolada no Tribunal de Falências dos Estados Unidos. A cifra devida ao órgão que comanda as Forças Aéreas Brasileiras é de US$ 222,5 milhões.
A Vibra Energia – que distribui os combustíveis de aviação da Petrobras – é a terceira na fila (US$ 91,5 milhões), seguida pela fabricante de aeronaves Boeing (US$ 15,2 mi) e Infraero – que recebe taxas dos aeroportos públicos (US$ 15 mi).
Para além das concessionárias de aeroportos brasileiros que têm valores a receber, locadoras de veículos, como a Localiza (RENT3) também constam na lista. Veja abaixo:
Os dez maiores credores da Gol são:
Credor | Valor em US$ milhões |
BNY Mellon | 539,9 |
Comando da Aeronáutica | 222,5 |
Vibra | 91,4 |
Boeing | 15,2 |
Infraero | 15 |
CFM International | 13,5 |
Concessionária Aeroporto de Florianópolis | 11,9 |
SEC | 9,3 |
Ministério da Fazenda | 7,3 |
Sabre | 5,6 |
Fonte: Registro do Tribunal de Falências dos EUA
A companhia aérea também inclui o programa de milhas Smiles, suas subsidiárias (Gol Finance e GAC), fundos de investimento exclusivos, Banco do Brasil, agência de publicidade “AlmaPBBDO”, empresas de tecnologia do setor aéreo, além de companhias aéreas (Delta e KLM Royal Dutch Airlines).
De acordo com agências de risco Fitch e S&P, o maior problema da Gol não é seu resultado operacional, mas sim, a falta de garantias para reestruturas suas dívidas, uma vez que pelo menos US$ 3 bilhões vencem a curto prazo. A companhia carece de caixa para honrar com os compromissos em até 12 meses, apesar de ter registrado um dos melhores resultados operacionais entre a companhias aéreas da América Latina.
“A receita operacional líquida da companhia atingiu recorde histórico de R$ 4,7 bilhões, com crescimento de 16,4% na comparação com o mesmo período do ano anterior, principalmente devido à contribuição significativa das receitas vindas das unidades do programa de fidelidade Smiles e das operações de carga Gollog, que cresceram juntas um total de 65,1% no 3T23 [terceiro trimestre de 2023] (vs. 3T22) e totalizaram R$ 412,6 milhões no período”, aponta a companhia em fato relevante sobre a entrada no Chapter 11.
Ainda assim, a Fitch reduziu as notas em moeda estrangeira e local de “CCC-” para “D” e a nota nacional de “CCC-(bra)” para “D(bra)” – o que segundo a metodologia da casa indica que a empresa não vai cumprir com suas obrigações financeiras atuais.
Já a S&P Global também diminuiu sua nota de crédito global da Gol de “CCC-” para “D” e a nota nacional de “brCCC-” para “D”. Essa classificação acontece quando há um default no pagamento de um compromisso financeiro.
No fim de janeiro, o ministro de Portos e Aeroportos, Silvio Costa Filho, afirmou que o Executivo está “atento” ao momento delicado das aéreas e estuda criar um fundo de até R$ 6 bilhões para reduzir o endividamento.
As dificuldades do setor ficaram mais evidentes com a entrada da Gol com pedido de recuperação judicial nos Estados Unidos um dia depois das declarações de Costa Filho. Em anos anteriores, Latam e Avianca também haviam recorrido à Justiça para sanar dívidas.
O que fazer?
A ideia do governo é criar um fundo que funcionará como garantia para as empresas aéreas na hora de renegociar suas dívidas ou pedir empréstimos. Também se estuda a concessão de empréstimos às empresas.
Interlocutores do setor dizem que a proposta ainda não está fechada, mas o governo estuda duas opções:
- Fundo Nacional da Aviação Civil (FNAC);
- Fundo garantidor do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES).
O FNAC conta com R$ 7 bilhões. É um fundo voltado para a infraestrutura portuária, cujas receitas provêm principalmente de aportes das concessionárias de aeroportos.
Contudo, o fundo tem natureza contábil e financeira com aportes em conta única do Tesouro Nacional. Ou seja, os valores estão depositados na conta do Tesouro e se “misturam” aos recursos usados para outras despesas. Ajudam, assim, a compor as receitas do governo para o cumprimento da meta fiscal.
Como o fundo é voltado para a infraestrutura, seria necessária uma alteração legal para destinar parte desses recursos para as empresas. Além disso, para conceder empréstimos, por exemplo, seria preciso mudar a lei orçamentária de 2024.
o FNAC já foi alterado para a garantia ou concessão de empréstimos durante a pandemia de Covid-19, mas não foi concretizado porque “os procedimentos necessários não foram estabelecidos e tal utilização não foi prevista na lei orçamentária.
Outra medida estudada seria abrir linhas do BNDES. O banco de desenvolvimento já tem fundos para esse tipo de política, mas nenhum voltado para a aviação civil.