Processos da Lava Jato que tramitavam na Justiça Federal tiveram decisões anuladas após entendimento da Suprema Corte e podem agora ser arquivados para sempre, sem punição aos corruptos, como aconteceu com Lula
Após o Supremo Tribunal Federal ( STF ) ter decidido em 2019 que crimes como corrupção e lavagem de dinheiro, quando investigados junto com caixa dois, deveriam ser julgados por tribunais eleitorais, casos da Lava Jato que envolvem o ex-presidente da Câmara Eduardo Cunha e o ex-governador do Rio de Janeiro, Sérgio Cabral estão à beira da prescrição ou já prescreveram na Justiça Eleitoral do Estado.
Os autos desses processos e de outras investigações conexas tramitavam na Justiça Federal, mas acabaram anuladas em parte por decisão da Suprema Corte.
Cunha e Cabral, ambos ex-MDB, foram dois dos mais conhecidos presos da Lava Jato, operação que completa dez anos na próxima segunda-feira (17). O ex-deputado federal ficou três anos e meio detido, e o ex-governador, seis.
No caso de Cunha, dois processos nos quais o Supremo anulou condenações da Justiça Federal (em 2021 e 2023) só tiveram as denúncias aceitas novamente na Justiça Eleitoral do Rio neste ano.
Parte das condutas de Cunha já estão prescritas, que significa que não há mais como o Estado processar alguém por ter passado um determinado período de tempo.
Além disso, o ex-presidente da Câmara tem 65 anos e se beneficiará de um prazo mais curto para prescrições quando completar 70.
Em um dos processos, Cunha foi condenado em 2017 pelo então juiz Sergio Moro a 15 anos e 4 meses de prisão em um caso relacionado ao recebimento e movimentação de US$ 1,5 milhão em contas secretas na Suíça.
O dinheiro, segundo a Lava Jato, é oriundo de pagamento da Petrobras pela compra de parte de um campo de petróleo em Benin, na África, em 2011. O TRF-4 (Tribunal Federal Regional da 4ª Região) posteriormente reduziu a pena aplicada por Moro a 14 anos e seis meses.
Em outra ação, o ex-deputado foi condenado em 2020 pelo juiz Luiz Antônio Bonat, que sucedeu Moro na vara da Lava Jato, a 15 anos e 11 meses de prisão por corrupção passiva e lavagem de dinheiro.
Segundo a decisão, ele havia recebido R$ 1,5 milhão em vantagens indevidas decorrentes dos contratos de fornecimento de navios-sonda da Petrobras.
Ambas as condenações foram anuladas pelo Supremo e os processos, enviados à Justiça Eleitoral.
A defesa do ex-deputado argumentou, nos últimos anos, que ele foi alvo de perseguição e de condenação injusta. Os advogados também tinham pedido para que os processos fossem enviados à Justiça Eleitoral.
Ele deixou a cadeia em 2020 e tentou voltar à Câmara em 2022, pelo PTB-SP, mas não se elegeu.
Uma das ações da Justiça Eleitoral do Rio que já prescreveu envolve Sérgio Cabral. Nela, havia suspeita de lavagem de dinheiro em sua campanha à reeleição, em 2010, com a compra de material em uma gráfica que supostamente não existia.
Processos da Lava Jato e de outras operações, que tramitavam em varas penais, passaram a ser encaminhados à Justiça Eleitoral após decisão do STF de 2019.
A decisão foi considerada uma grande derrota para a Lava Jato, e a Procuradoria-Geral da República vinha alertando que não havia estrutura na Justiça Eleitoral para lidar com processos da complexidade dos casos da operação.
O envio à Justiça Eleitoral beneficiou uma série de ex-governadores que foram alvo de operações por suspeita de irregularidades que envolvem crimes comuns e eleitorais. Após a decisão do Supremo de 2019, o TRE-RJ (Tribunal Regional Eleitoral do Rio) criou em setembro daquele ano o chamado NAC (Núcleo de Assessoramento Criminal). Compete ao núcleo analisar os processos da Lava Jato, e também ações relacionadas a outras operações policiais contra políticos e empresários do Rio. Foram enviados ao núcleo, por exemplo, processos oriundos da Operação Furna da Onça, uma das fases mais emblemáticas do braço do Rio da Lava Jato.
Na Furna da Onça, foram investigadas suspeitas de um esquema de corrupção e lavagem de dinheiro que envolvia deputados estaduais, além de Cabral.
Denúncia envolvendo Cabral que prendeu deputados estaduais em 2018 tramitava na Justiça Federal até março de 2021, quando o ministro do STF Gilmar Mendes determinou a ida do processo para a Justiça Eleitoral. Até dezembro passado, dois juízes atuavam no núcleo da Justiça Eleitoral. Este ano passaram a ser três.
Segundo pessoas que acompanham os processos, a maioria dos casos da Lava Jato que foi enviada para a Justiça Eleitoral ainda está em fase de inquérito na Polícia Federal. Mesmo que parte das provas possa ser reutilizada, outra parcela teve que ser refeita, especialmente a tomada de depoimentos.
Na Operação Furna da Onça foi preciso desmembrar o processo, já que são muitos acusados e nem todos foram citados (ato que convoca a pessoa a fazer parte do processo). Outros tiveram que ser citados novamente, até mesmo os que já tinham sido presos no âmbito federal.
Nessa situação, o processo “vira uma balbúrdia”, segundo juristas, pois inicia-se novamente uma ação penal sobre atos que já foram investigados em outros órgãos da Justiça. As etapas tornam-se nulas e precisam ser refeitas.
Uma das poucas iniciativas relacionadas à Lava Jato que vingaram na Justiça Eleitoral, ainda que por um curto período de tempo, aconteceu em São Paulo.
Em 2020, chegou a ser implantado no estado uma força-tarefa de promotores voltados a destrinchar acusações feitas por delatores de grandes empresas, em iniciativa apelidada de “Lava Jato Eleitoral”.
Um dos principais processos envolvia o ex-governador de São Paulo e atual vice-presidente, Geraldo Alckmin (hoje PSB), mas ela acabou trancada em dezembro de 2022 pelo ministro Ricardo Lewandowski, então no STF, hoje no comando da pasta da Justiça.
Lewandowski considerou que a acusação usava provas do acordo de leniência da empreiteira Odebrecht (atual Novonor) que já tinham sido invalidadas em decisões contra outros réus, incluindo o presidente Lula (PT).
O STF é uma mãe para essa gente.