Como PM e Justiça ajudam criminosos: Mensagens mostram PM reclamando da propina com chefe do tráfico

Relatório da PF investigava compra de fuzis e pistolas por traficante carioca

A relação de corrupção entre o traficante de drogas e armas Phillip da Silva Gregório, o Professor, apontado como um dos chefes da facção criminosa Comando Vermelho, e diferentes setores da Polícia Militar do Rio de Janeiro fica clara em um relatório da PF, que mostra o criminoso negociando valor da propina com PMs, que reclamam do valor pago semanalmente.

O traficante Professor está foragido desde 2018. Ele foi preso pela Polícia Federal em março de 2015 numa das poucas vezes em que deixou o Complexo do Alemão. Em 23 de setembro de 2018 recebeu um benefício da Justiça para visitar a família e não retornou mais.

Nas mensagens no relatório, os policiais chegam a dizer que o valor da propina é baixo e ameaçam retomar as operações na comunidade do “professor “caso o valor não aumente, o que irrita o traficante. A conversa acontece durante o dia 27 de fevereiro de 2022.

WhatsApp trocado entre PM e traficante com valor de propina

Os contatos do criminoso são constantes também com vendedores de armas no Paraguai, Bolívia e Colômbia.

As conversas fazem parte da investigação Dakovo, que apurou a compra de armas por facções criminosas no Paraguai. O traficante Professor é apontado como responsável por adquirir fuzis e pistolas para o Comando Vermelho.

Veja diálogo:

  • Policial: “Outra parada, você sabe quanto você manda para a gente lá pelo engenho? A gente nn está acostumado com esse valor baixo nn mano, vc vende pra caramba, favela grande e só manda isso aí. 1.200 (R$ 1,2 mil) mano. É melhor ficar indo aí do que pegar esse valor… Para melhorar essa sintonia, vc tem que começar a melhorar esse valor”
  • Professor: Mano, tá me ameaçando? Tá falando que vai começar a entra na favela. Aqui é papo de homem. Valor é 1.200 se quiser aumentar o seu tenho que aumentar todos agora… Vida do crime tô nessa maior tempão. Vem nessa de melhorar sintonia não. Não quer não pega. Tem que saber falar comigo. Vc tá falando com Professor, mano. Não é nenhum bola rasteira não. Trato geral no respeito e geral respeita minha palavra. Aprende a falar.

Na troca de mensagens entre Professor e policiais do RJ, durante os anos de 2022 e 2023, é possível ver o traficante ainda recebendo pedidos para a devolução até de um carro roubado.

Os investigadores suspeitam que o contato seja feito por um policial. Ao traficante, ele diz que liga à pedido de “uma coronel da PM”. O pedido é a recuperação de um veículo roubado por integrantes do CV.

De acordo com o telefonema, o veículo é devolvido. O traficante garante que a chave está no interior do carro. A ligação acontece em 23 de março de 2023. O policial que faz contato com Professor é identificado apenas como Hulk.

Coronel pede para devolver carro roubado:
  • Policial: “A coronel tá ligada. Ela pediu para te ligar. Ela falou insistir aí vê se ele ajuda.
  • Professor: “Mandei devolver tudo pra não roubar nada. Tá tudo dentro do carro
  • Policial: Pode deixar.
  • Professor: Puder ficar o máximo entocado, melhor. Nós já deu um papo geral. Vai dá uma sumida na hora. Eles mandou também.
  • Policial: Tá maluco. Esse carro é de um político aí. Nem sei quem é esse pica. Mais (sic) para ela mandar te ligar essa hora. Já mandou agradecer.
  • Professor: Se precisar nós está aí, blz
  • Policial: Vai poder largar lá agora. Tmj.
  • Professor: Posto desativado Inhaúma, chave está dentro do carro, blz? já está ok.

A proximidade do traficante com integrantes da PM do Rio chamou a atenção de investigadores da PF. O criminoso chega a ter acesso a um documento interno da polícia.

Em 18 de maio de 2022, o Boletim Interno da PM, número 88, trouxe as mudanças e as novas lotações de policiais nas Unidades de Polícia Pacificadora, as UPPs.

A tela com o documento é enviado ao traficante. No documento constam os nomes e RGs dos PMs na corporação. Ou seja, policiais e suas identidades expostas a um dos chefes de uma das maiores facções criminosas do país, o Comando Vermelho (CV).

O prende e solta da Justiça beneficia criminosos não é de hoje. Em 2014, por exemplo, entre tantos milhares de outros no Rio de Janeiro, faz com que o crime cresça nas favelas.

A denúncia de que o traficante foragido Adauto do Nascimento Gonçalves, o Pitbull, estaria no Pavão-Pavãozinho, levou nove policiais da UPP do morro a realizarem a operação em abril de 2014, em que Douglas Rafael da Silva Pereira foi morto. Para a polícia, Pitbull ainda era o chefe do tráfico na favela e um bandido violento. Mas, Adauto era um condenado a cinco anos de prisão por associação para o tráfico, preso desde março de 2008. Em um processo de ressocialização, o que lhe valeu o direito de visitar periodicamente a família, em julho de 2013 ele foi libertado. Ele nunca mais voltou para a prisão.

Com pareceres favoráveis do Ministério Público estadual e da Comissão Técnica da Secretaria de Administração Penitenciária, Pitbull saiu do Instituto Penal Edgard Costa, onde cumpria regime semiaberto — que não desfrutava, possivelmente porque não tinha emprego —, no dia 6 de julho de 2013, para visitar familiares no Pavãozinho.

Mas os criminosos também contam com a Justiça superior. Em abril de 2023, a Sexta Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) anulou por unanimidade, uma busca e apreensão e encerrou uma investigação contra o traficante André Oliveira Macedo, conhecido como André do Rap.

O relator do caso, ministro Rogério Schietti, cujo voto prevaleceu no julgamento, afirmou que a ação policial foi ilegal porque os policiais fizeram uma busca e apreensão quando a ordem judicial autorizava apenas a prisão. Segundo o ministro, houve uma espécie de “pescaria”.

“Quando o cumprimento de mandado de prisão ocorrer no domicílio do investigado, é permitido apenas o seu recolhimento e dos bens que estão na sua posse direta como resultado de uma busca pessoal, mas não de todos os objetos guarnecidos no imóvel que possam aparentemente ter ligação com alguma prática criminosa”, afirmou.

André do Rap está foragido desde outubro de 2020, quando conseguiu um habeas corpus do ministro aposentado do STF Marco Aurélio Mello. A decisão acabou derrubada, mas o traficante já havia deixado o país.

Ele é considerado pelas autoridades um dos chefes de uma das principais facções criminosas que agem dentre e fora dos presídios. Além disso, já foi condenado pela Justiça a 25 anos de prisão em regime fechado por tráfico internacional e nacional de drogas.


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