Presidente transforma tragédia histórica em autopromoção celestial — como se a ausência de água fosse parte do seu destino messiânico
Por Victório Dell Pyrro
Ridículo para não dizer de cara, se tratar de megalomania ou pura palhaçada pensada para iludir tolos. Durante a inauguração de um trecho do Canal Acauã-Araçagi, na Paraíba, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva protagonizou um espetáculo retórico digno de nota — ou melhor, de espanto. Com ares de enviado divino, Lula afirmou: “Deus deixou o sertão sem água porque sabia que eu seria presidente.” Na versão lulista dos evangelhos nordestinos, a seca histórica virou providência celestial para preparar o palco de sua autoconsagração política.
Enquanto crianças, mulheres, homens e animais enfrentavam a escassez, Deus, segundo Lula, estaria simplesmente aguardando o momento certo para que o escolhido de Garanhuns pudesse realizar o “milagre”. Só faltou Moisés abrir o São Francisco ao meio.
O presidente também aproveitou o palanque para criticar políticos do passado, culpando-os por terem abandonado o Nordeste sem água. O detalhe que ele convenientemente esqueceu é que ele próprio foi presidente por mais de 10 anos, somando três mandatos — dois completos e agora mais um — e nada de efetivo foi feito no período para resolver a crise hídrica estrutural da região. Ou seja, Lula se critica sem perceber: fala como se estivesse chegando agora, como se fosse um recém-chegado à política, quando na verdade é o presidente que mais tempo ocupou o cargo desde a redemocratização.
A transposição do São Francisco, por exemplo, prometida em 2003 para ser concluída em 2006, virou um símbolo de atrasos, desvios, corrupção e obras eternas. Já o Canal Acauã-Araçagi, cuja inauguração ele agora exalta com pompa divina, foi iniciado ainda em 2012 — no fim do seu segundo mandato — e avançou a passos lentos sob governos posteriores, inclusive o dele.
A encenação messiânica tem um tom irônico e patético: o mesmo presidente que hoje se vende como redentor da seca deixou o sertão esperar por mais de uma década. E ainda assim, em vez de reconhecer falhas, escolheu endeusar-se. A lógica parece simples: se o problema persistiu por tanto tempo, foi porque o céu estava apenas aguardando a hora certa de lançar o protagonista certo — ele mesmo, Lula.
O sertão, no entanto, não precisa de salvadores de palanque, nem de frases de efeito. Precisa de investimento contínuo, respeito histórico e líderes que entendam que água não é milagre, é direito. E que a seca não foi “esperada por Deus”, mas ignorada por muitos, inclusive por aqueles que hoje tentam capitalizar politicamente sobre ela.

