Decisão judicial que libertou MC Poze do Rodo ignora gravidade das acusações e transforma prisão em espetáculo com fogos, empurra-empurra e exaltação do crime
Por Victório Dell Pyrro
O Brasil assistiu nesta terça-feira (3) a mais um capítulo preocupante da relação entre crime, idolatria e a permissividade institucional. O funkeiro Marlon Brendon Coelho Couto, conhecido como MC Poze do Rodo, foi solto após cinco dias detido em Bangu 3, beneficiado por uma polêmica decisão judicial da Segunda Câmara Criminal do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro. A decisão, assinada pelo desembargador Peterson Barroso, concedeu habeas corpus ao cantor, desconsiderando a gravidade das acusações que pesam contra ele.
O artista é investigado por apologia ao crime, envolvimento com o tráfico de drogas e lavagem de dinheiro ligado diretamente à facção criminosa Comando Vermelho. Segundo a Polícia Civil, Poze atua em eventos nas comunidades dominadas pela facção, sob forte esquema de segurança armado, promovendo em suas músicas o tráfico, o uso de armas e o confronto entre facções rivais — um cenário que, frequentemente, termina em mortes de inocentes.
Um espetáculo da impunidade

Longe de qualquer sobriedade ou respeito pela gravidade do caso, a saída de Poze foi marcada por cenas inacreditáveis. Centenas de pessoas se aglomeraram em frente ao Complexo de Gericinó, na Zona Oeste do Rio, aguardando o “herói popular”. A Secretaria de Administração Penitenciária (Seap) precisou erguer grades para tentar conter a multidão. Nem isso evitou a confusão.

Por volta das 14h, a Polícia Militar utilizou spray de pimenta para dispersar o tumulto, que incluiu empurra-empurra e desmaios. Menos de uma hora depois, às 14h50, MC Poze deixou o presídio aos gritos, fogos de artifício e exaltação. Subiu no teto solar de um carro, tirou a camisa, abraçou a esposa e acenou para os fãs em um ato coreografado de provocação. O também funkeiro Oruam subiu em um ônibus para comemorar dançando.
Justiça cega (e surda)
A decisão do desembargador Barroso afirma que “não se demonstrou a imprescindibilidade da prisão para o avanço das investigações”, desconsiderando completamente os indícios levantados pela Delegacia de Repressão a Entorpecentes (DRE). Segundo o órgão, os eventos de Poze são utilizados estrategicamente pela facção criminosa para lavagem de dinheiro, aumento de lucros com entorpecentes, compra de armas e fortalecimento do domínio territorial.
Em nota, a Polícia Civil afirmou que as letras de Poze “extrapolam os limites constitucionais da liberdade de expressão artística”, configurando crimes de apologia ao tráfico e incitação à violência armada.
Não é a primeira vez que a Justiça parece titubear diante da pressão popular e da fama. No entanto, liberar um artista que — segundo a própria polícia — é peça ativa no financiamento de atividades criminosas e cuja arte glamouriza o poder do tráfico, é mais do que um erro técnico: é um perigoso recado de impunidade.
Multidão comemora o crime
O episódio reforça a perigosa inversão de valores que assola parte da sociedade. O ídolo é exaltado, a prisão vira injustiça e o crime, espetáculo. A cena de fogos, aplausos e comemoração, após a libertação de alguém acusado de agir em conluio com uma das facções mais violentas do país, expõe a falência do senso coletivo de justiça e ética pública.
Enquanto os tribunais avaliam tecnicalidades e relativizam provas, a violência urbana faz novas vítimas diárias. O apoio popular a MC Poze, sem nenhum senso crítico sobre os fatos apresentados, mostra que o crime não só compensa — também recebe aplausos.
Oruam, que estava na comemoração em frente ao presídio foi uma das atrações do Lollapalooza 2024. Durante aquele show, pediu a liberdade do pai. O líder do Comando Vermelho condenado por diversos crimes, incluindo homicídio qualificado, teáfico e formação de quadrilha.
A pergunta que fica é: quem protege os cidadãos comuns quando o judiciário protege quem canta, participa e promove o crime?


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