Presidente argentino critica o bloco como “prisão” e “fracasso comercial”, enquanto Lula defende o Mercosul como instrumento estratégico de proteção e integração; tensão marca a transferência da presidência temporária à liderança brasileira
Buenos Aires — A nova fase do Mercosul começou sob forte tensão diplomática entre os presidentes da Argentina, Javier Milei, e do Brasil, Luiz Inácio Lula da Silva.
Milei atacou duramente o bloco regional, chamando-o de “fracasso comercial”, “prisão para os países” e “uma camisa de força que impede o progresso argentino”. Em contraponto, Lula defendeu a importância estratégica do Mercosul como mecanismo de proteção conjunta, integração econômica e inserção global.
Em seu discurso, Milei criticou a burocracia do Mercosul e disse que o bloco impõe restrições aos países do bloco, que estão submetidos a uma “cortina de ferro”.
“Se o Mercosul foi criado com a intenção de nobre de integrar as economias da região, em algum momento esse norte foi afundando e a ação comercial conjunta terminou por prejudicar a maioria dos nossos cidadãos em prol de privilegiar alguns setores”, disse Milei.
Milei já vinha sinalizando sua insatisfação com o bloco desde antes da posse, e voltou a atacar recentemente. Em entrevista à The Economist, classificou o Mercosul como uma “união aduaneira que não traz benefícios para a população” e acusou o modelo atual de favorecer “indústrias brasileiras em detrimento dos argentinos”.

Na prática, Milei propõe uma flexibilização da Tarifa Externa Comum (TEC) e liberdade para a Argentina negociar acordos bilaterais sem necessidade de consenso entre os membros do bloco. O presidente argentino chegou a sugerir uma saída parcial ou total do Mercosul, se não houver abertura comercial suficiente.
“A barreira que levantamos para nos proteger comercialmente em um momento que considerávamos valioso, terminou por nos excluir do comércio e da competição globais e acabou castigando nossas populações com piores bens e serviços a piores preços”, acrescentou Milei.
Já Lula, em seu discurso oficial na cúpula, afirmou que o bloco precisa “olhar mais para a Ásia” — com destaque para China, Japão, Índia e Vietnã — e aprofundar as relações com parceiros estratégicos, como União Europeia e EFTA. Ele defendeu que o Mercosul serve como uma “blindagem” contra guerras tarifárias e desintegração econômica.
“O mundo vive um momento de tensões comerciais e incertezas. Estar no Mercosul protege os nossos países. Não podemos permitir retrocessos”, disse Lula.
O presidente brasileiro ainda anunciou que sua gestão à frente do bloco priorizará cinco frentes: aumento do comércio intra e extrabloco, transição energética, cooperação em tecnologia, segurança regional e direitos dos cidadãos do Mercosul.
A tensão política entre os líderes vai além da economia. Milei já chamou Lula de “corrupto” e “socialista com vocação totalitária”. Em contrapartida, Lula tenta manter o tom diplomático, ainda que venha demonstrando desconforto com as ausências e ataques do colega argentino.
Especialistas temem que o embate ideológico entre os dois presidentes comprometa os esforços de integração regional. O Mercosul, fundado em 1991, já enfrentou momentos de crise, mas nunca uma fratura tão exposta entre seus dois principais membros.

