Principais atingidos são empresários de Roraima, estado que depende fortemente do comércio com o país vizinho
O Ministério das Relações Exteriores confirmou nesta sexta-feira (25) que produtores brasileiros estão enfrentando dificuldades para exportar à Venezuela, em razão da imposição súbita de tarifas alfandegárias por parte do governo do ditador Nicolás Maduro. Os principais atingidos são empresários de Roraima, estado que depende fortemente do comércio com o país vizinho. O Itamaraty abriu interlocução com Caracas para tentar reverter a medida.
A embaixada brasileira na capital venezuelana foi instruída a buscar esclarecimentos sobre a origem da cobrança, que contradiz os termos do Acordo de Complementação Econômica nº 69 (ACE 69), assinado entre os dois países sob a chancela da ALADI (Associação Latino-Americana de Integração).
De acordo com a plataforma da ONU para comércio global, em 2023, o Brasil exportou cerca de US$ 1,15 bilhão para a Venezuela e registrou uma balança comercial favorável com o país vizinho, que vendeu apenas US$ 468 milhões no mesmo período para os brasileiros.
Produtos mais afetados
Segundo a Federação das Indústrias de Roraima (FIER), a lista de produtos mais prejudicados inclui:
Açúcar refinado: com alíquota aplicada de 40%;
Margarina: também tributada em até 40%;
Farinha de trigo: 20% de tarifa extra;
Milho e derivados: tarifas variando conforme a origem;
Preparações alimentícias diversas: alvo de taxas variadas e instabilidade no desembaraço.
Todos esses produtos eram exportados com isenção tarifária até a mudança súbita ocorrida em 18 de julho. Exportadores relataram que, mesmo apresentando certificados de origem válidos e atualizados, a aduana venezuelana passou a aplicar tarifas ad valorem que chegam a 77%, além do IVA de 16% e da taxa alfandegária de 1% normalmente prevista.
Empresários apontam que as novas exigências não foram acompanhadas de aviso prévio, nem vieram acompanhadas de qualquer mudança formal no tratado vigente. “É como se o acordo tivesse deixado de valer da noite para o dia”, disse um exportador ouvido pela reportagem, sob anonimato.
Impacto econômico em Roraima
Mais de 70% das exportações de Roraima têm como destino a Venezuela. A interrupção no fluxo isento de tarifas gerou acúmulo de cargas na fronteira, cancelamentos de pedidos e ameaça de paralisação em empresas que atuam na moagem de grãos, processamento de alimentos e logística.
Estima-se que, apenas na última semana, o prejuízo tenha ultrapassado R$ 12 milhões para o setor agroindustrial local. Alguns empresários já cogitam demissões e redução de turnos. O cenário tem causado pressão política sobre o governo estadual e mobilizado parlamentares da bancada de Roraima, que devem acionar a Comissão de Relações Exteriores da Câmara dos Deputados.
Movimentação diplomática
O governo federal, por meio do Itamaraty e do Ministério do Desenvolvimento, Indústria, Comércio e Serviços (MDIC), está em contato direto com autoridades venezuelanas para compreender se a cobrança decorre de uma falha no sistema aduaneiro (Sidunea) ou se é resultado de decisão política.
Um dos caminhos em avaliação é a convocação da Comissão Administradora do ACE 69, mecanismo previsto no tratado para resolução de controvérsias e atualização de normas operacionais. Técnicos brasileiros também avaliam se a Venezuela poderia estar violando compromissos multilaterais, o que abriria espaço para recurso junto à ALADI ou até à Organização Mundial do Comércio (OMC), embora Caracas esteja atualmente suspensa do bloco Mercosul.
O Planalto, por ora, evita confrontos diplomáticos abertos. O governo Lula tem tentado manter canais de diálogo com a Venezuela, apesar das tensões políticas e ideológicas recentes. A avaliação no Itamaraty é que a imposição de tarifas pode estar relacionada a medidas protecionistas internas da Venezuela, em função da crise cambial e dos esforços de controle inflacionário de Maduro.
Riscos e alternativas
O impasse reforça a vulnerabilidade de estados fronteiriços que dependem de comércio bilateral com países de economia instável. No caso de Roraima, a escassez de rotas alternativas e a baixa diversificação de mercados aumentam o impacto de medidas unilaterais adotadas por Caracas.
Algumas empresas estudam redirecionar parte da produção para os mercados do Caribe ou do Norte do Brasil, mas esbarram em custos logísticos mais altos. O governo estadual também pressiona por uma solução rápida e chegou a pedir apoio à Casa Civil para intermediar uma reunião emergencial com o presidente Lula.
Enquanto isso, dezenas de caminhões permanecem retidos na aduana de Pacaraima, e os prejuízos continuam a se acumular.


