Brasil sai novamente do Mapa da Fome, mas ONU adverte que falta de renda e sustentabilidade das famílias ainda são riscos

Organizações internacionais e entidades da sociedade civil, como a ActionAid, alertam, no entanto, que o Brasil deve aproveitar esse momento para consolidar mudanças estruturais que garantam segurança alimentar de forma duradoura

O Brasil voltou a sair oficialmente do Mapa da Fome das Nações Unidas, segundo relatório divulgado nesta segunda-feira, 28 de julho de 2025, pela Organização das Nações Unidas para a Alimentação e Agricultura (FAO).

Após ter voltado ao Mapa em 2022, país é classificado fora da zona de insegurança alimentar grave. Para a ONU, menos de 2,5% da população está em risco de subnutrição.

O anúncio foi feito durante a 2ª Cúpula de Sistemas Alimentares, realizada em Adis Abeba, na Etiópia, e marca um ponto de inflexão no combate à fome no país, após anos de retrocesso. De acordo com a metodologia da FAO, um país entra no Mapa da Fome quando mais de 2,5% da sua população está em situação de subnutrição crônica. Com base na média trienal entre 2022 e 2024, o Brasil ficou abaixo desse patamar, o que o exclui oficialmente do levantamento.

O relatório revela que a taxa de insegurança alimentar grave no Brasil teve uma queda expressiva de 85% entre 2022 e 2023, passando de cerca de 17,2 milhões de pessoas para 2,5 milhões. Além disso, aproximadamente 24 milhões de brasileiros deixaram a condição de fome severa desde 2022, graças a políticas públicas de combate à pobreza e insegurança alimentar. A taxa de subnutrição crônica recuou de 4,2% entre 2020 e 2022 para menos de 2,5% entre 2022 e 2024, consolidando o país fora da zona de alerta da ONU. A insegurança alimentar moderada e grave também caiu significativamente, de 22,1% para 13,5% no mesmo período.

A conquista é atribuída, principalmente, à retomada de programas sociais e à articulação de políticas públicas integradas promovidas a partir de 2023, com destaque para o novo Bolsa Família, que atende mais de 19 milhões de famílias, e para o fortalecimento do Programa de Aquisição de Alimentos (PAA), voltado ao apoio à agricultura familiar. O governo federal também relançou o Plano Brasil Sem Fome, que envolve ações coordenadas entre diferentes ministérios e forte participação social, com foco na segurança alimentar, distribuição de renda, merenda escolar e estímulo à produção local. Essas ações, embora mate a fome de quem recebe o benefício de graça são criticadas porque não oferecem formas de desenvolvimento profissional para as famílias saírem da linha da miséria.

Falta de porta de saída estruturada: Críticos apontam que o programa, apesar de necessário no curto prazo, não promove autonomia duradoura da população beneficiária. A ausência de políticas complementares eficazes para inserção no mercado de trabalho, capacitação profissional ou estímulo à produtividade é vista como uma forma de manter as famílias em estado de dependência do Estado, o que alimentaria um ciclo clientelista.

Concentração de votos em regiões beneficiadas:

Dados eleitorais mostram que o programa tem forte impacto em regiões mais pobres, como o Norte e o Nordeste, onde os índices de aprovação dos governos que pagam o benefício costumam ser mais altos. Críticos veem isso como desequilíbrio no jogo democrático, enquanto defensores argumentam que é natural que políticas públicas de impacto social gerem apoio político onde seus efeitos são mais sentidos.

O Brasil havia saído do Mapa da Fome pela primeira vez em 2014, mas voltou a figurar no levantamento a partir de 2019, período em que a insegurança alimentar aumentou substancialmente. Em 2022, o cenário era de alerta: mais de 33 milhões de brasileiros estavam em situação de fome, segundo estimativas da Rede Penssan. A reversão desse quadro é agora celebrada como resultado de decisões estratégicas e da reconstrução de instrumentos de governança alimentar, como o Conselho Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional (Consea), desativado em 2019 e recriado em 2023.

Apesar dos avanços, o relatório da ONU adverte que ainda há desafios relevantes. A insegurança alimentar moderada continua atingindo quase 14% da população, com concentração nas periferias urbanas e regiões Norte e Nordeste. Além disso, o relatório destaca os riscos climáticos, como secas, enchentes e eventos extremos, que podem impactar diretamente a produção e distribuição de alimentos, exigindo do Brasil uma agenda ambiental robusta para garantir sustentabilidade alimentar.

No cenário internacional, o Brasil tem atuado na liderança da Aliança Global contra a Fome e a Pobreza, lançada oficialmente durante sua presidência do G20, no final de 2024. A iniciativa já conta com a adesão de mais de 80 países e tem como meta retirar todos os países do Mapa da Fome até 2030.

Organizações internacionais e entidades da sociedade civil, como a ActionAid, alertam, no entanto, que o Brasil deve aproveitar esse momento para consolidar mudanças estruturais que garantam segurança alimentar de forma duradoura, evitando novos retrocessos.

Desde que o relatório The State of Food Security and Nutrition in the World 2025, conhecido como SOFI 2025, foi lançado em 28 de julho de 2025 durante a cúpula em Adis Abeba, aumenta-se o otimismo cauteloso: a fome global caiu para cerca de 8,2% da população mundial em 2024, atingindo aproximadamente 673 milhões de pessoas . Em particular, a América Latina e o Caribe registraram avanços significativos: a prevalência de subnutrição crônica (PoU) recuou de 6,1% em 2020 para cerca de 5,1% em 2024, implicando uma redução equivalente a milhões de pessoas .

No subcontinente da América do Sul, que inclui o Brasil, a prevalência de fome em 2023 ficou em 5,2%, afetando cerca de 22,8 milhões de pessoas, enquanto na região como um todo a taxa era de 6,2% (aproximadamente 41 milhões de pessoas) . Já a insegurança alimentar moderada ou grave foi estimada em 25,1% na América do Sul, com 110 milhões de pessoas afetadas, em contraste com 28,2% de média regional . Esses números colocam o progresso brasileiro dentro de um contexto regional de recuperação, mas ainda com indicadores mais elevados na média.

Em 2023, segundo dados nacionais citados pela FAO, cerca de 27,6% dos domicílios brasileiros enfrentavam algum grau de insegurança alimentar, com 5,3% dos lares em situação de insegurança moderada e 4,1% em insegurança grave . A nível individual, a insegurança alimentar grave caiu de cerca de 8% da população em 2022 para apenas 1,2% em 2023, o que representa aproximadamente 14,7 milhões de pessoas que deixaram essa condição crítica .

O relatório também destaca que a América Latina e o Caribe, ao contrário de regiões como a África e a Ásia Ocidental, conseguiram reverter tendências de alta na fome nos últimos anos, resultado direto de políticas públicas robustas, sistemas de proteção social fortes e recuperação econômica pós-pandemia . No entanto, ressalta-se que mudanças climáticas e eventos extremos colocam em risco esses avanços: em 2023, 74% dos países latino-americanos foram impactados por eventos climáticos extremos, aumentando a vulnerabilidade à insegurança alimentar .

Para o Brasil, a ausência no Mapa da Fome (situação confirmada pelo SOFI 2025) é um reflexo direto da média trienal (2022‑2024) com subnutrição abaixo de 2,5%. Esse desempenho supera amplamente a média regional, ainda acima dos 5%, e destaca o avanço brasileiro como mais acelerado do que o de muitos vizinhos sul-americanos.


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