Um incêndio provocado por revolta em um alojamento de operários levou à libertação de 563 trabalhadores mantidos em condições análogas à escravidão no canteiro de obras de uma usina de etanol de milho em Porto Alegre do Norte, no extremo nordeste de Mato Grosso.
A indignação dos operários, que culminou em destruição e confronto no dia 28 dw julho acabou por revelar um sistema de exploração sustentado por negligência, ganância e impunidade.
O fogo atingiu uma das estruturas usadas como dormitório coletivo, após trabalhadores, exaustos com as condições degradantes, incendiarem parte das instalações. O estopim foi a falta contínua de água potável, alimentos precários, energia elétrica intermitente, superlotação, calor insuportável e banheiros insalubres.
De acordo com os relatos colhidos pelas autoridades, os operários estavam submetidos a jornadas exaustivas, sob vigilância armada, com alojamentos improvisados e sem possibilidade de retorno imediato a suas cidades de origem.
A operação de resgate, coordenada por fiscais do Ministério do Trabalho e Emprego (MTE), com apoio da Polícia Federal e do Ministério Público do Trabalho (MPT), já é considerada a maior do tipo realizada em 2025 no país.
A obra era tocada pela empresa TAO Construtora, com sede em Sorriso (MT), e contratada pela Três Tentos Agroindustrial, uma das maiores produtoras de etanol do Centro-Oeste. Até o momento, a construtora não se manifestou oficialmente. A Três Tentos informou que está colaborando com as investigações, embora alegue que a responsabilidade pelo recrutamento e manutenção dos trabalhadores seja da contratada.
Após o incêndio e o início da operação de fiscalização, após o incee revolta no dia 28 de julho, os trabalhadores foram removidos para instalações provisórias nos municípios de Porto Alegre do Norte e Confresa. Muitos passaram a dormir em um ginásio esportivo. Fiscais relataram que, mesmo depois da retirada do canteiro de obras, parte dos resgatados seguiu exposta a situações degradantes, sem acesso adequado a alimentação e higiene.
Os auditores constataram ainda que a maioria dos operários era oriunda de estados do Nordeste e do Norte, trazidos por aliciadores com promessas de bons salários e alojamento. “Essas pessoas foram recrutadas sob promessas falsas, colocadas em ônibus e transportadas por mais de 2 mil quilômetros até o canteiro de obras, onde passaram a viver em condições desumanas”, relatou um fiscal envolvido na operação.
Segundo dados oficiais, entre 1995 e 2024 o estado de Mato Grosso já registrou mais de 6 mil trabalhadores resgatados em situações análogas à escravidão. A agroindústria, incluindo a produção de álcool e etanol, está entre os setores com maior incidência de violações.
A Polícia Federal instaurou inquérito para apurar os crimes de redução à condição análoga à de escravo, aliciamento ilegal de mão de obra e omissão de medidas de segurança e saúde no trabalho. Os responsáveis podem responder por crimes previstos no Código Penal e por infrações à legislação trabalhista.

