Operação Lei do Retorno, deflagrada nesta terça-feira, 19 de agosto, cumpriu 45 mandados de busca e apreensão em cidades do Maranhão e do Piauí
Por Victório Dell Pyrro
A Polícia Federal amanheceu o Nordeste com uma pergunta simples e devastadora: para onde foram parar os R$ 50 milhões que deveriam estar nas salas de aula?
A Operação Lei do Retorno, deflagrada nesta terça-feira, 19 de agosto, cumpriu 45 mandados de busca e apreensão em cidades do Maranhão e do Piauí para desmontar um esquema de fraudes em licitações que teria sangrado o Fundeb entre 2021 e 2025.
Segundo a PF, recursos contratados para a educação eram desviados e parte do dinheiro retornava a servidores públicos por meio da manipulação de certames — um roteiro já conhecido, mas não menos escandaloso. A ação teve alvos em Caxias, São Luís, São José de Ribamar, Buriti Bravo, Presidente Dutra e Joselândia, no Maranhão, além de Teresina, no Piauí. É o retrato de uma pedagogia às avessas: licitação vira escoadouro e escola vira estatística.

Nos endereços ligados à deputada estadual Daniella (PSB-MA) e ao namorado dela, o ex-prefeito de Caxias, Fábio Gentil, os agentes apreenderam carros, joias, dinheiro vivo e um cheque que, conforme relatado por diversos veículos, chega a R$ 350 mil — embora parte da imprensa cite R$ 300 mil, uma diferença que, por si só, expõe o tamanho da farra e a pressa em esconder os rastros.
Em espécie, foram recolhidos R$ 54 mil. O gabinete de Daniella na Assembleia também foi vasculhado. A parlamentar negou irregularidades e disse colocar sua equipe jurídica à disposição das autoridades.
Quem conhece a crônica dos desvios no interior do país sabe: primeiro, a negativa indignada; depois, quando a poeira baixa, a explicação esfarrapada sobre “erro formal”. Enquanto isso, a escola pública segue esperando carteira, merenda e professor.
A dimensão e a coreografia da operação não surgiram do nada. Há meses a PF mapeava o circuito do dinheiro, descrevendo uma engrenagem de contratos combinados, empresas abastecidas com verbas da educação básica e a subsequente “devolução” a agentes do poder.
A cronologia 2021–2025 não é detalhe: atravessa gestões municipais, confirma a perenidade do método e ilumina a complacência institucional com a rapina. Nessa etapa, o batismo da operação parece irônico: Lei do Retorno — o retorno do dinheiro público para bolsos privados. Se condenado, o núcleo investigado poderá responder por organização criminosa, corrupção, peculato, fraudes em licitação e lavagem de dinheiro, com penas somadas que beiram meio século de cadeia. A pedagogia do crime adora licitação; a vítima preferida é a criança que descobre, cedo demais, que o quadro-negro às vezes escreve em vermelho.
A geografia do escândalo agrava o desastre. Maranhão e Piauí estão entre as unidades federativas com piores indicadores de desenvolvimento humano, e isso não é opinião, é dado. Em 2021, o IDHM do Maranhão foi de 0,676, o menor do país, segundo o Atlas Brasil e o próprio IBGE. No Piauí, o índice ficou em 0,690.

Ou seja, tratou-se de retirar de quem já tem menos para garantir que continue tendo menos — o sequestro do futuro em regiões que lutam há décadas para reduzir desigualdades mínimas. Quando um cheque de R$ 300 mil ou R$ 350 mil aparece no meio da operação e joias emergem das gavetas, o que desaparece, de fato, é a aula de matemática que não acontece, a merenda que não chega, a biblioteca que não abre.

Os defensores do “foi tudo legal” argumentarão que buscas não são condenações, e estão certos. Mas a abundância de apreensões, a capilaridade das diligências e a coerência do modus operandi traçado pela PF compõem um quadro que não é trivial. Os investigados têm o direito à ampla defesa; a sociedade, o dever de cobrar celeridade, transparência e recuperação do que foi saqueado.

O Nordeste tem uma longa história de resistência, e é precisamente por isso que casos como este ferem tanto: não é apenas corrupção; é sabotagem política, econômica e moral contra crianças e jovens que deveriam ser prioridade absoluta. A cada escola sem aula por falta de professor, a cada goteira no teto, a cada transporte escolar quebrado, há um contrato viciado rindo da nossa cara.

O recado que precisa ecoar agora é simples: o dinheiro da educação não é de governo, de partido, de prefeito ou de namorados bem posicionados. É das crianças maranhense e piauiense, cuja realidade o IDH escancara. A operação corre sob holofotes nacionais, e deve correr também sob o peso exemplar da Justiça. Se o que a PF descreve se confirmar, que haja devolução integral dos valores, perda de direitos políticos, inelegibilidade e prisão — e que cada real volte, com juros e correção moral, para onde sempre pertenceu: a sala de aula.


