O crime virou partido no Brasil que sangra hoje; o que liga o Comando Vermelho aos políticos

Da carnificina no Rio à eleição comprada na Paraíba, o que se vê é uma mesma engrenagem: facções que mandam com mais eficiência que muito governo.

Por Victório Dell Pyrro

O Brasil acordou nesta quarta-feira (29) diante de dois retratos diferentes da mesma tragédia: de um lado, a megaoperação no Rio de Janeiro que terminou com 132 mortos; do outro, a Polícia Federal investigando o prefeito de João Pessoa, Cícero Lucena (PP), por suposta parceria eleitoral com uma facção criminosa.

Em comum, a constatação incômoda: o crime organizado não apenas domina favelas — agora, disputa território no plenário, nas prefeituras e nos gabinetes refrigerados do poder.

A Câmara e o Palácio já sabem o que o país inteiro finge não ver: o crime organizado deixou de ser “infiltrado” e passou a ser integrado ao sistema. Quando o ministro da Justiça diz não saber de uma operação que fuzilou mais de uma centena de criminosos, narcotraficantes que impõem terror e pânico à população e a PF afirma que sabia e preferiu não participar, não se trata de erro de comunicação, mas de falência de comando.

O Estado está menos coordenado que as próprias facções que diz combater e elas crescem.

Enquanto o pau quebra no Rio, a Paraíba joga luz sobre outro tipo de violência — mais silenciosa, mas muito mais corrosiva. A Operação Território Livre da Polícia Federal revelou que o prefeito reeleito de João Pessoa, Cícero Lucena, teria recebido apoio da facção “Nova Okaida” nas eleições de 2024, com direito a apoio territorial, votos garantidos e um pacote de nomeações como brinde. Não se tratava de discurso, mas de troca comercial: a facção entregava votos, e o poder devolvia cargos e influência. Tudo anotado pela PF, mas que até agora a “justiça faz vista grossa e ouvidos moucos.

A Nova Okaida é cria do Comando Vermelho e se emancipou. As facções do terror se multiplicam assustadoramente. Os paraibanos também vivem com o medo de sair de casa e morrer por conta de um relógio, um celular ou um par de tênis que estiver usando. Os crimes assustam e amedrontam.

Segundo as investigações, a primeira-dama de João Pessoa, Maria Lauremília Lucena, desempenhou papel central nas negociações criminosas. Uma espécie de “Ministra do Tráfico e Articulação Política”, atuando como ponte entre o gabinete e o submundo, isso segundo os investigadores, nãosou eu quem digo.

O Ministério Público Eleitoral e o GAECO descrevem com precisão burocrática um escândalo que seria tragicômico, se não fosse real. Tudo isso ocorre no mesmo país onde a PF, a PRF, as polícias estaduais e o Ministério da Justiça não conseguem sequer decidir quem manda em uma operação no Rio de Janeiro.

A máquina pública, travada por vaidades e disfarçada de legalismo, perde terreno para o verdadeiro poder paralelo — o que não precisa de decreto, porque faz sua própria lei.

Não espanta que as facções tenham aprendido tão rápido as regras da política: discurso de cooperação, promessa de ordem e um toque de populismo armado, além de aprenderem a traição, é claro.

Nos morros ou nas prefeituras, a lógica é a mesma. O Estado negocia, o crime governa e o cidadão paga — em impostos, em medo e em sangue.

A ironia é que enquanto prefeitos posam de vítimas de boatos e ministros culpam a falta de aviso, as quadrilhas seguem expandindo suas “bases” , inclusive as eleitorais. E o eleitor, cercado de todos os lados, pois só podem votar nos escolhidos pelos partidos, é obrigado a conviver com a pergunta que ninguém em Brasília ousa responder: será que o crime se infiltrou na política, ou a política se infiltrou no crime?

Afinal, entre fuzis no Rio e urnas em João Pessoa, parece que a fronteira entre o Comando Vermelho e o “comando político” já virou miragem, evaporou.

Hoje, um sujeito de terno na tribuna do plenário ou por trás de uma mesa do Executivo pode ser nada mais, nada menos que um comparsa de terroristas armados que matam, roubam, traficam e aprisionam a população atrás de suas próprias grades.


Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *