Ao menos três membros da Conafer e da AAB criaram diversos CNPJs com capitais acima de R$ 100 mil que operam no mesmo endereço no DF
Por Victório Dell Pyrro
Integrantes de ONGs que fraudaram o Instituto Nacional do Seguro Social têm empresas no mesmo endereço. Ao menos três membros da Confederação Nacional dos Agricultores Familiares e Empreendedores Familiares Rurais (Conafer) e da Associação dos Aposentados do Brasil (AAB) criaram diversos CNPJs com capitais acima de R$ 100 mil que operam no mesmo endereço no Distrito Federal.
Os nomes por trás de Conafer e AAB — instituições investigadas por envolvimento no escândalo dos descontos indevidos sobre benefícios do INSS — revelam um sistema de rapinagem orquestrado para eternizar a sangria dos cofres dos mais vulneráveis. A Conafer, presidida por Carlos Roberto Ferreira Lopes, está no centro da tempestade. Ele foi preso em flagrante por falso testemunho durante depoimento na CPMI que investiga o INSS.
Um de seus assessores, Cícero Marcelino de Souza Santos, admitiu ter aberto empresas para “atender à Conafer”, reforçando o caráter empresarial da fraude.

Na AAB, embora a entidade alegue defender aposentados e pensionistas, os relatórios da Controladoria‑Geral da União (CGU) apontam que a associação solicitou descontos de pessoas já falecidas — como no caso de um homem morto em 2002, que teve sua inclusão pedida em lista de descontos de 2024.
O modus operandi é perverso: CNPJs díspares, capitais escassos e infraestrutura compartilhada — todos lucrando com os recursos dos idosos e inválidos que esperavam proteção.
Um só endereço no Recanto das Emas abriga empresa “Solution”, aberta por Samuel Chrisóstomo do Bomfim Júnior, contador da Conafer, no mesmo local de uma igreja evangélica fundada por uma das sócias da AAB, Lucineide dos Santos Oliveira. Na fachada apenas uma tapiocaria — fachada. O e-mail principal de contato se repete entre diversas empresas vinculadas à quadrilha.
Durante depoimento na CPMI, Cícero Marcelino admitiu lucrar “uns trocos” com dinheiro que deveria pertencer a aposentados e pensionistas. A deputada Adriana Ventura (NOVO-SP) foi direto: “A única coisa que estou vendo aqui nesta CPMI é que as pessoas que os sindicatos ajudam são os próprios dirigentes e seus familiares, as empresas dos dirigentes, dos familiares, ou dos laranjas…”
Apesar da Conafer divulgar em seu site que o programa +Previdência Brasil tem custos zero e “não remunera pelas associadas nem pelos usuários”, a CGU constatou que 621.094 aposentados tiveram descontos apenas no primeiro trimestre de 2024.
A AAB, por sua vez, teve mais de 27 mil casos de inclusão indevida de descontos associativos de pessoas já falecidas — conduta que, segundo a CGU, “em tese configura tentativa de burlar os controles da Administração Pública”.
E os políticos, esses voadores dos fundos públicos? Os rastros aparecem: a Conafer firmou um acordo técnico com o INSS em 2021, assinado por Carlos Roberto Ferreira Lopes, para atuar no INSS Digital. A CPMI elenca que as transferências da Conafer para pessoas físicas e jurídicas ligadas a Cícero Marcelino ultrapassaram R$ 140 milhões, num padrão de “lavagem de dinheiro, enriquecimento ilícito e formação de organização criminosa”.
Não há entre os aposentados que tiveram suas míseras rendas usurpadas — nem entre viúvas e órfãos — a mínima justiça nesta história: seres humanos que construíram vidas, trabalharam, adoeceram, e que agora veem seus benefícios serem drenados. A roupagem social dessas entidades (ONGs, associações, “terceiro setor”) se desmascara: o discurso de “defesa dos aposentados” vira fachada para “assinaturas automáticas”, “descontos indevidos”, “empresas-laranja”, “aparente filantropia com fins lucrativos”.
Se houvesse vergonha — e econômicas e criminais — isso tudo já estaria sendo encarado como providência exemplar do Estado. A CPMI pede a prisão preventiva de Lopes e a chamada já foi feita: “em nome dos aposentados, viúvas e órfãos do Brasil”, disse o senador Carlos Viana ao dar voz de prisão.
É hora de perguntar às autoridades:
Quem fiscalizou esses “descontos associativos”?
Quantas entidades-máquina foram autorizadas a operar dentro da folha do INSS sem aval explícito e transparente do beneficiário?
Quais parlamentares, ministérios e partidos deram cobertura à Conafer, à AAB ou a suas empresas-fantasma?
Por que as investigações demoraram tanto, se a CGU já mapeava o esquema desde 2019?
A indignação pública não basta: é urgente que os responsáveis — de dirigentes de entidades a políticos cúmplices — sejam expostos, banidos e responsabilizados. Aos velhinhos, doentes, inválidos e aposentados, resta a indignação silenciosa que não merecia viver.




