Juiz que acusou Moro no STF foi flagrado roubando champanhe três vezes

Por Victório Dell Pyrro

Eduardo Appio, personagem que um dia tentou vestir a fantasia de justiceiro revisionista da Lava Jato, hoje aparece no noticiário nacional não por decisões históricas ou teses jurídicas inovadoras, mas por algo bem mais constrangedor: vídeos de câmeras de segurança que o flagraram furtando garrafas de champanhe em um supermercado de Blumenau, em Santa Catarina. O ex-juiz que se notabilizou por acusar colegas de parcialidade agora precisa explicar por que saiu do mercado com Moët Chandon na mão, sem passar pelo caixa, como se a toga conferisse imunidade alcoólica.

As imagens, registradas em outubro de 2025, que vieram à tona são didáticas e dispensam hermenêutica avançada. Appio é visto pegando as garrafas na gôndola, caminhando tranquilamente até a saída e sendo interceptado por seguranças do lado de fora.

Appio sendo conduzido por seguranças após ser flagrado furtando champanhe, segundo supermercado- Imagem circuito interno

Segundo boletins de ocorrência, não foi um ato isolado: ao menos três garrafas teriam sido subtraídas em datas diferentes, avaliadas entre R$ 399 e R$ 500 cada.

Para alguém acostumado a falar em devido processo legal, o rito no supermercado foi curioso: nenhuma nota fiscal, nenhuma audiência, nenhuma sentença — apenas a saída direta pela porta, como se fosse absolvição em primeira instância.

A Polícia Civil catarinense identificou o veículo usado na fuga nada cinematográfica, um Jeep Compass registrado em nome do próprio magistrado, e encaminhou o caso ao Tribunal Regional Federal da 4ª Região.

Vídeos mostram atuação de juiz que acusa Moro dentro de supermercado

O TRF-4, único com competência para investigar juízes federais de primeiro grau, manteve o afastamento de Appio e instaurou um novo Processo Administrativo Disciplinar. As sanções possíveis vão de censura e remoção compulsória até a aposentadoria forçada, aquela em que o réu deixa o cargo, mas leva o salário para casa — uma espécie de champanhe institucional servido pelo Estado.

Como já virou padrão em sua trajetória recente, Appio reagiu alegando perseguição política. Disse que os vídeos foram manipulados, falou em edição maliciosa das imagens e prometeu perícia independente, como se o problema fosse o enquadramento da câmera e não o gesto captado. Na versão do ex-juiz, o furto não existiu; o que existe é uma conspiração difusa, sempre conveniente, contra sua atuação crítica à Lava Jato.

O episódio do supermercado apenas engrossa um currículo disciplinar já pesado. Em 2023, Appio foi afastado da 13ª Vara Federal de Curitiba após ser acusado de usar dados sigilosos para constranger o desembargador Marcelo Malucelli, em uma ligação telefônica feita ao filho do magistrado. O TRF-4 classificou a conduta como gravíssima e apontou risco à independência do tribunal. O caso foi parar no Conselho Nacional de Justiça, onde Appio alegou falta de imparcialidade do próprio TRF-4 e se apresentou, mais uma vez, como vítima de retaliação.

Em janeiro de 2024, o CNJ arquivou o procedimento após uma mediação em que Appio reconheceu conduta imprópria, abrindo caminho para sua remoção para outra vara federal. Foi assim que ele acabou lotado na 18ª Vara de Curitiba, longe do epicentro da Lava Jato, mas nunca longe da polêmica. O histórico de atritos com o tribunal permaneceu, alimentado por decisões e discursos públicos contra a operação e seus protagonistas.

Quando assumiu a 13ª Vara, Appio tratou de revisar o legado de Sérgio Moro com entusiasmo quase militante. Anulou condenações, declarou suspeições e cunhou decisões recheadas de referências a lawfare, conluio e instrumentalização política da Justiça. Em março de 2023, anulou a condenação do ex-governador Sérgio Cabral, atribuindo parcialidade a Moro e afirmando que a proximidade com a acusação contaminou o processo. O TRF-4 reagiu, limitou sua atuação e passou a derrubar sistematicamente decisões em que ele declarava a suspeição do antigo titular da vara.

Appio também levou suas suspeitas ao Supremo Tribunal Federal, alimentando investigações e pedidos de apuração sobre a conduta de Moro, inclusive mencionando supostos vídeos de chantagem. As acusações se concentravam em três eixos: parcialidade, conluio com o Ministério Público e uso político da jurisdição. Para ele, Moro teria atuado como parte, combinado estratégias com procuradores e moldado decisões que influenciaram diretamente o cenário político nacional.

Moro, hoje senador, reagiu com virulência. Acusou Appio de fabricar narrativas fantasiosas para deslegitimar a Lava Jato e, após a divulgação dos vídeos de Blumenau, subiu o tom ao chamá-lo de “ladrão aloprado escolhido pelo sistema”. A troca de acusações transformou o embate jurídico em espetáculo político, agora temperado com champanhe supostamente surrupiado.

Na defesa, Appio diz ser alvo de linchamento público, acusa Moro de tentar destruir sua credibilidade e afirma que o episódio do supermercado está sendo usado para desviar o foco das investigações que ainda tramitam no STF. Garante que pedirá perícia nas imagens e que acionou a Polícia Federal para apurar supostos abusos de autoridade e coações.

Enquanto isso, no TRF-4, o PAD segue sob sigilo e sem prazo definido para conclusão. No STF, as investigações sobre a Lava Jato continuam. Entre decisões anuladas, processos disciplinares, discursos inflamados e agora vídeos de câmeras de segurança, Eduardo Appio construiu uma biografia singular: o juiz que denunciava supostos desvios sistêmicos da Justiça acabou protagonizando um escândalo de prateleira, em que o debate jurídico cedeu espaço ao constrangimento trivial de ser flagrado, em alta definição, saindo do mercado sem pagar a conta.


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