O governo do Rio de Janeiro formalizou nesta segunda-feira (22) o envio ao Supremo Tribunal Federal de um Plano Estratégico de Reocupação Territorial destinado a áreas hoje sob controle direto de organizações criminosas. O documento foi encaminhado ao ministro Alexandre de Moraes no âmbito da Ação de Descumprimento de Preceito Fundamental 635, processo que se tornou referência no debate nacional sobre os limites, responsabilidades e omissões do Estado na política de segurança pública fluminense.
A iniciativa cumpre determinação do STF que obrigou o governo estadual e os municípios interessados a apresentarem uma estratégia estruturada para a retomada permanente desses territórios pelo poder público, deixando claro que a reocupação não pode se restringir a operações policiais episódicas, mas deve observar princípios de urbanismo social e políticas públicas contínuas.
Segundo o governo fluminense, o plano foi elaborado no âmbito da Secretaria de Estado da Segurança Pública e estabelece diretrizes, metodologia e uma estrutura de governança voltadas à reocupação territorial com presença permanente do Estado. A proposta aposta na atuação integrada entre segurança pública, urbanismo e desenvolvimento social, com foco em romper o ciclo de abandono institucional que historicamente favoreceu a consolidação do poder paralelo.
Entre os eixos centrais estão a instalação de equipamentos públicos, a qualificação de serviços básicos e a implementação de políticas voltadas à juventude, apresentadas como instrumentos para reduzir a influência de grupos criminosos e ampliar o acesso da população a direitos fundamentais. O próprio texto do plano enfatiza que a presença estatal deve ser contínua e operacional, com cronograma objetivo e alocação obrigatória de recursos federais, estaduais e municipais, inclusive aqueles oriundos de emendas parlamentares impositivas.
O documento também prevê a elaboração de planos táticos e operacionais específicos para cada território, com definição clara de fases, responsabilidades institucionais, prazos de execução e fontes de financiamento, numa tentativa de evitar soluções genéricas e promessas difusas que, no passado, se perderam entre discursos e ações desconectadas.
No pedido encaminhado ao Supremo, o Estado do Rio de Janeiro solicitou a juntada formal do plano aos autos da ADPF 635 como comprovação do cumprimento da decisão judicial. Caberá agora ao relator analisar se as medidas apresentadas atendem, de fato, às exigências fixadas pela Corte e se possuem viabilidade prática diante da complexidade do cenário fluminense.
Conhecida como “ADPF das Favelas”, a ação é um dos processos mais sensíveis em tramitação no STF sobre segurança pública no Rio de Janeiro. Ela estabelece limites às operações policiais, sobretudo em áreas densamente povoadas, ao mesmo tempo em que cobra do Estado políticas estruturantes capazes de substituir a lógica exclusivamente repressiva por uma atuação mais ampla e duradoura.
Na primeira fase, a nova etapa da ação deve se concentrar em Muzema, Rio das Pedras e Gardênia Azul, localidades situadas em um eixo considerado crítico de Jacarepaguá, na Zona Oeste do Rio. A região é marcada por disputas permanentes entre facções do tráfico de drogas e grupos milicianos, com impacto direto na mobilidade urbana e na segurança de bairros estratégicos como Barra da Tijuca e Recreio dos Bandeirantes.
Jacarepaguá foi escolhida como área piloto por reunir, simultaneamente, os três principais grupos criminosos em atuação no estado: Comando Vermelho, milícias e Terceiro Comando Puro. Apesar do avanço do tráfico, as milícias seguem exercendo forte influência, sobretudo no controle de serviços essenciais e lucrativos, como distribuição de gás, internet, transporte alternativo e exploração imobiliária, sustentando uma economia ilegal que se infiltra no cotidiano da população e desafia, há anos, a autoridade do Estado.



