Rede social enviou texto dizendo que o Brasil está ‘prestes a aprovar uma lei que irá acabar com a liberdade de expressão’. Relator chamou estratégia de ‘jogo sujo’ e disse que internet não pode ser terra sem lei. A rede social tem até dez dias para apresentar informações ao órgão
O Ministério Público Federal (MPF) em São Paulo questiona o Telegram a respeito de mensagens que foram enviadas a usuários do aplicativo contra o projeto de lei das Fake News. A rede social tem até dez dias para apresentar informações detalhadas sobre a mensagem.
Em ofício desta terça-feira (9), o procurador da República de São Paulo Yuri Corrêa da Luz expede uma ordem para que o Telegram diga exatamente quem, na empresa, tomou a decisão de mandar a mensagem com nome e endereço eletrônico, para uma eventual oitiva pelo MPF, que aponta que a mensagem foi impulsionada aos usuários.
Circularam entre os usuários do Telegram mensagens com um texto no qual supostamente a empresa diz que “o Brasil está prestes a aprovar uma lei que irá acabar com a liberdade de expressão”.
O procurador quer saber:
- Qual o dispositivo concreto, dos Termos de Uso e da autorregulação da plataforma, autorizaria o impulsionamento a seus usuários, por meio do canal “Telegram Notifications”, de conteúdos não relacionados a atualizações técnicas e comunicações sobre recursos do aplicativo;
- Os motivos para que a referida mensagem tenha sido encaminhada, aparentemente, a todos os usuários da plataforma, e não apenas àqueles que estão inscritos no canal “Telegram Notifications”;
- Se o canal permite, ou não, alguma “medida de contraditório” em face do posicionamento apresentado pelo Telegram, ou se a mensagem foi enviada de forma unilateral e sem possibilidade de qualquer questionamento por parte de quem dela discorde;
- Se Telegram disponibiliza referido canal para que outros usuários façam comunicações, ou se ele é, ao revés, um meio exclusivo, que impulsiona, apenas e tão somente, conteúdos de interesse da plataforma;
- Os nomes e os endereços eletrônicos dos responsáveis, dentro da empresa, que elaboraram a mensagem e decidiram por seu impulsionamento, para identificação do MPF.
Veja a mensagem que circula no grupo Telegram Brasil, supostamente pertencente ao Telegram:
“Motivo do PL 2630/2020 Ser Perigoso”
“A democracia está sob ataque no Brasil. A Câmara dos Deputados deverá votar em breve o PL 2630/2020, que foi alterado recentemente para incluir mais de 20 artigos completamente novos que nunca foram amplamente debatidos. Veja como esse projeto de lei matará a internet moderna se for aprovado com a redação atual. Caso seja aprovado, empresas como o Telegram podem ter que deixar de prestar serviços no Brasil.
Concede Poderes de Censura ao Governo
Esse projeto de lei permite que o governo limite o que pode ser dito online ao forçar os aplicativos a removerem proativamente fatos ou opiniões que ele considera “inaceitáveis” e suspenda qualquer serviço de internet – sem uma ordem judicial.
Por exemplo, o Ministro da Justiça requisitou recentemente sanções contra o Telegram, alegando que o aplicativo “não respondeu a uma solicitação” – antes mesmo da solicitação ser feita. Se o PL 2630/2020 estivesse em vigor, o governo poderia ter bloqueado imediatamente o aplicativo como “medida preventiva” até que o Telegram provasse que não violou nenhuma lei.
Transfere Poderes Judiciais Aos Aplicativos
Esse projeto de lei torna as plataformas digitais responsáveis por decidir qual conteúdo é “ilegal” em vez dos tribunais – e fornece definições excessivamente amplas de conteúdo ilegal.
Para evitar multas, as plataformas escolherão remover quaisquer opiniões relacionadas a tópicos controversos, especialmente tópicos que não estão alinhados à visão de qualquer governo atualmente no poder, o que coloca a democracia diretamente em risco.
Cria um Sistema de Vigilância Permanente
O projeto de lei exige que as plataformas monitorem as comunicações e informem as autoridades policiais em caso de suspeita de que um crime tenha ocorrido ou possa ocorrer no futuro.
Isso cria um sistema de vigilância permanente, semelhante ao de países com regimes antidemocráticos.
É Desnecessário
O Brasil já possui leis para lidar com as atividades criminosas que esse projeto de lei pretende abranger (incluindo ataques à democracia). O novo projeto de lei visa burlar essa estrutura legal, permitindo que uma única entidade administrativa regule o discurso sem supervisão judicial independente e prévia.
E Mais!
Isso apenas toca a superfície do motivo pelo qual esse novo projeto de lei é perigoso. É por isso que Google, Meta e outros se uniram para mostrar ao Congresso Nacional do Brasil a razão pela qual o projeto de lei precisa ser reescrito – mas isso não será possível sem a sua ajuda.
O Que Você Pode Fazer Para Mudar Isso
Você pode falar com seu deputado aqui ou nas redes sociais hoje. Os brasileiros merecem uma internet livre e um futuro livre.”
A Mensagem no Telegram tem links que remetem para as referências acerca do PL considerada da censura ou das fake news:
REFERÊNCIAS
1
O PL 2630 se estabelece como a lei brasileira sobre liberdade, responsabilidade e transparência na internet, mas a redação atual adicionada em 27 de abril de 2023 torna ela potencialmente perigosa. Embora o Artigo 3 estabeleça alguns princípios para manter a liberdade de expressão e proibir a censura, os artigos subsequentes enfraquecem severamente essas proteções. Especificamente, a partir do Artigo 4, a lei impõe obrigações que facilitam a censura, promovendo práticas de moderação sobre assuntos ambíguos, amplos e às vezes indefinidos.
O Artigo 33 estende a imunidade parlamentar de servidores do governo para as plataformas online. Ao fazer isso, essa disposição estabelece um desequilíbrio perigoso, no qual o governo recebe proteção enquanto o discurso de cidadãos comuns ou candidatos eleitorais, especialmente sobre temas controversos, pode estar sujeito a moderação arbitrária.
O Artigo 12 permite um “protocolo de segurança” de 30 dias imposto pelo governo. O protocolo pode ser prorrogado com base em fatores arbitrários e ambíguos, como medidas de moderação “negligentes” ou “insuficientes” adotadas pelos provedores de serviço. Sob esse protocolo, os provedores são responsáveis por danos decorrentes de conteúdo de terceiros considerado “inaceitável”, abrangendo potencialmente uma ampla gama de opiniões ou tópicos, conforme definido pelo governo. O protocolo de segurança obriga efetivamente os provedores de serviço a implementar e alinhar a moderação de discurso com a narrativa preferida pelo governo, possivelmente exigindo atualizações em seus termos de serviço para proibir assuntos ou pontos de vista específicos por completo.
2
De acordo com o Artigo 47, um serviço pode ser suspenso em um procedimento administrativo, sem consulta prévia a tribunais independentes. A suspensão também pode ser feita como uma “medida preventiva”, antes mesmo do início do procedimento. Embora, teoricamente, seja possível entrar com uma ação judicial para reverter tal decisão, o serviço pode permanecer suspenso durante todo o tempo necessário para o governo conduzir o procedimento administrativo (e, em seguida, para o tribunal chegar a uma decisão final). Além disso, se o PL 2630/2020 for aprovado, o tribunal teria que fundamentar suas decisões nas mesmas definições vagas e excessivamente abrangentes que permitiram a suspensão inicial (veja nota [3]). Mesmo que o tribunal eventualmente decida que a suspensão foi ilegal, até lá o serviço poderia ter permanecido bloqueado por meses ou até mesmo anos.
3
De acordo com o Artigo 11 §1, um aplicativo pode se tornar responsável pelo conteúdo assim que for denunciado por qualquer usuário, a menos que o aplicativo prove que tratou a notificação diligentemente. No âmbito do “protocolo de segurança” (Artigo 13), essa responsabilização se torna imediata para qualquer conteúdo relacionado ao protocolo, com base exclusivamente em denúncias de usuários.
Como resultado da obrigação do dever de cuidado e da necessidade de mitigar “riscos sistêmicos”, as plataformas são obrigadas a monitorar proativamente a totalidade de seus serviços em busca de “conteúdo ilegal”, definido como relacionado a uma lista (potencialmente aberta) de leis – que inclui “crimes contra a democracia”, entre outras coisas. No entanto, as leis listadas têm o objetivo de regular condutas, não discursos – portanto, não são adequadas para lidar com opiniões expressas online da maneira idealizada pelo projeto de lei.
Por exemplo, de acordo com a redação atual do PL 2630/2020, o governo está livre para declarar praticamente qualquer conteúdo relacionado aos três poderes do governo (por exemplo, críticas ao Supremo Tribunal Federal ou ao Presidente) um crime contra a democracia que deve ser proibido sob risco de suspensão do aplicativo.
4
Os requisitos para analisar e mitigar os riscos sistêmicos (Artigo 7) e agir com o devido cuidado (Artigo 11) só podem ser cumpridos por meio do monitoramento e policiamento de uma quantidade substancial (para não dizer todos) do conteúdo dos usuários, e pela criação de um sistema de vigilância agressivo. Sob as obrigações gerais de transparência e auditoria, as informações sobre a atividade dos usuários podem ser solicitadas e acessadas pelo governo.
Além disso, as obrigações específicas de informar sobre quaisquer ameaças de vida suspeitas estabelecidas pelo Artigo 45 podem levar a um excesso de notificações de qualquer discurso mais agressivo na plataforma às autoridades policiais. Embora o texto mencione que as plataformas devem apenas analisar “informações que levantem suspeitas de que um crime envolvendo uma ameaça à vida tenha ocorrido ou possa ocorrer”, exigir que as plataformas busquem proativamente informações de qualquer tipo implica que a plataforma deve, portanto, monitorar informações de todos os tipos.
5
O Artigo 11 contém uma lista aberta de leis que abrangem atualmente o escopo pretendido do PL 2630/2020. Essas leis já existentes governam crimes contra o Estado Democrático de Direito, terrorismo, racismo e comportamento violento ou discriminatório, entre outros. A presença dessas regulamentações detalhadas indica que o PL 2630/2020 serviria apenas para enfraquecer o regime jurídico estabelecido, potencialmente concedendo ao governo poder excessivo e impactando negativamente o delicado equilíbrio entre segurança e direitos pessoais. As referências são fundamentadas no PL 2630/2020, conforme publicado em 27 de abril de 2023.
Na noite de ontem, um dos responsáveis pelos processos no Tribunal Superior de Justiça, um dos defensores do Projeto de Lei que tramita ainda na Câmara dos Deputados e assessor do Presidente do TSE, ministro Alexandre de Moraes foi preso, acusado de atirar contra a esposa, depois de chegar em casa alterado.