Indenização deve ser paga pelos Governo Federal, Estado do Amazonas e município de Manaus
A Justiça Federal condenou a União, o estado do Amazonas e o município de Manaus a pagarem R$ 1,4 milhão à família de uma mulher que morreu sem oxigênio no Hospital Platão Araújo, na capital, durante a segunda onda da pandemia de Covid-19.
A decisão foi tomada pela juíza Jaiza Fraxe na última semana e ainda cabe recurso.
Em resposta, a Prefeitura de Manaus, por meio da Procuradoria Geral do Município (PGM), informou que não foi notificada sobre o processo e se manifestará quando tomar ciência.
Desde o começo da pandemia, o Amazonas registrou 14.484 mortes por Covid-19. Os dados são do boletim epidemiológico da doença, divulgado semanalmente pela Fundação de Vigilância em Saúde do Amazonas – Dra. Rosemary Costa Pinto (FVS-RCP).
Em janeiro de 2021, a mulher começou a apresentar sintomas gripais e deu entrada na Unidade de Pronto Atendimento, onde foi diagnosticada com a doença já em estado crítico. Durante a internação, o quadro da paciente evoluiu para o desconforto respiratório, havendo a necessidade de usar máscara de oxigênio.
Em razão da piora da situação e da falta de leitos em UTI, a família chegou a mover uma ação na justiça e obteve uma decisão favorável, que obrigava o estado a transferir a paciente para outro hospital na rede pública ou particular. No entanto, a transferência não chegou a ser realizada em razão do falecimento da paciente no dia 15 de janeiro daquele ano.
Segundo os familiares da mulher, um dia antes dela morrer, um médico do hospital solicitou um parecer de reanimação da paciente, mas o procedimento foi negado por falta de leitos.
Para a magistrada, o dano sofrido pelos familiares da vítima é “claro, profundo e salta aos olhos”, já que a perda de um ente querido em razão da omissão dos réus em abastecer adequadamente suas unidades de saúde com oxigênio medicinal e também com leitos de UTI suficientes.
“A situação da paciente era tão grave que obteve, inclusive, decisão judicial de urgência na Justiça Estadual para sua transferência para UTI seja no mesmo hospital ou mesmo em outro da rede pública ou particular, o que não ocorreu em razão da sua morte. Fica claro, portanto, que a paciente não recebeu os cuidados necessários para evitar o evento morte, tendo agonizado num leito de enfermaria e dessaturado até 40%, o que possivelmente provocou a sua parada cardiorrespiratória em razão do esforço para obter ar”, disse a magistrada.
Em sua decisão, a juíza explicou ainda que, embora o estado alegue que não houve a suspensão do fornecimento de oxigênio da mulher e que a sua morte se deu em razão de complicações da própria doença e pela sua idade, os fatos demonstram o contrário.
“[…] fica evidente que a falecida estava num quadro grave de Covid-19, com piora acentuada no quadro em 14/01/2021, necessitando da utilização de oxigênio medicinal para sobreviver e de internação em UTI, sendo que, neste mesmo dia, ocorreu o colapso no fornecimento de oxigênio medicinal no Estado do Amazonas, que provocou o desabastecimento em todas as unidades de saúde públicas e também em vários hospitais particulares, bem como o óbito de diversos pacientes”, explicou.
Em dezembro de 2020, o Amazonas voltou a observar aumento de novos casos de Covid. Com o consequente aumento de internações e mortes, o governo estadual determinou o fechamento total do comércio no dia 26 de dezembro.
A medida causou revolta nos comerciantes e manifestações por toda a capital. Sob pressão, o governo flexibilizou a abertura do comércio no fim do ano, mas a Justiça determinou o retorno das medidas restritivas no começo de janeiro.
Em meio a esse cenário, foi identificada no Amazonas a variante P.1, hoje conhecida como Gama, que se mostrou mais letal e mais transmissível.
Rapidamente, o sistema de saúde, tanto na rede pública quanto privada, ficou sobrecarregado. O número de internados com Covid só aumentava, e, também, a demanda por oxigênio.
Nas primeiras horas do dia 14 de janeiro de 2021, profissionais de saúde e familiares de pacientes saíam de dentro dos hospitais em desespero, relatando que havia acabado o oxigênio dos hospitais. Foram dois dias sem oxigênio, ou quase nada, nos hospitais.
A situação foi constatada nos principais hospitais de Manaus, como Hospital 28 de Agosto, Hospital Universitário Getúlio Vargas, Fundação de Medicina Tropical Doutor Heitor Vieira Dourado, e Serviços de Pronto-Atendimento (SPA) pela cidade.
Em meio à falta do insumo, pacientes morriam asfixiados nas unidades. A urgência por oxigênio era tão grande que pessoas passaram a comprar o insumo por contra própria, e levavam às pressas para os hospitais, na esperança de salvar seus familiares internados.
O consumo médio de oxigênio por dia, que era de 14 mil metros cúbicos, cresceu abruptamente, atingindo uma média 76,5 mil metros cúbicos. A capacidade de produção das empresas fornecedoras era de 28,2 mil metros cúbicos, na época.
A corrida por oxigênio provocou filas gigantescas na frente nas empresas fornecedoras, porém, faltou o insumo até para vender. As empresas tinham que dar prioridade ao fornecimento a hospitais.
Como os hospitais estavam lotados, muitos pacientes permaneceram internados em casa, sobrevivendo com cilindros de oxigênio. Nos hospitais particulares, também faltava o insumo. E, nos dias seguintes, a crise do oxigênio se estendeu para municípios do interior.
De acordo com documentos obtidos pelo Ministério Público, a falta de oxigênio causou a morte de pelo menos 31 pessoas apenas em Manaus nos dias 14 e 15 de janeiro.
Conforme levantamento da Defensoria Pública do Amazonas, cerca de 30 pacientes também perderam a vida por conta da escassez do insumo no interior do Amazonas.
Quase três anos depois, ninguém havia sido responsabilizado pela crise. Autoridades públicas e empresas privadas são alvos de ações do MP-AM e MPF.