Nova tecnologia sugerida por pesquisadores irá detectar os ‘flavivírus’, que incluem vírus como os da Dengue, Zika, Febre Amarela, e Peste do Nilo, entre outros
O estado de São Paulo analisa três casos de suspeita de contaminação por dengue em transfusões de sangue.
Apesar de todos os casos ainda serem considerados como investigados, uma unidade hospitalar que tratou um dos três pacientes confirmou que registrou uma dengue transfusional no primeiro semestre deste ano, quando o paciente que tinha passado por um procedimento no coração precisou de transfusão, mas não teve o quadro grave da infecção e não sofreu complicação, tendo alta conforme o tratamento clínico.
Outro caso suspeito é de um paciente que tratava câncer, estava internado e morreu também com dengue.
Por meio de nota, a Secretaria de Estado da Saúde de São Paulo informou que os profissionais de saúde devem estar atentos aos pacientes que apresentam quadros febris, náusea/vômitos, dor de cabeça, entre outros sintomas até 15 dias após a transfusão de sangue ou transplante.
O estado emitiu, em julho deste ano, uma nota normativa conjunta com entidades como a Fundação Pró-Sangue, Hemorrede e Central de Transplantes, com orientações aos bancos de sangue quanto a verificação de sintomas aos doadores, “mas informando também que infectados com o vírus da dengue podem não apresentar sintomas no momento da doação, mas estar em período de viremia”.
“Assim, todos os casos suspeitos de transmissão via transfusional ou via transplante devem ser notificados imediatamente para os serviços de vigilância em saúde e para o banco de sangue que forneceu o hemocomponente, para avaliação e investigação do caso e do doador”.
O Ministério da Saúde analisa uma recomendação de cientistas e pesquisadores brasileiros para a inclusão de um novo método que rastreia a dengue e outros vírus da família flavivírus no sangue de doadores no país.
O documento foi entregue ao Ministério pela Fiocruz, Sociedade Internacional de Transfusão de Sangue, Sociedade Brasileira de Imunizações e Anvisa nesta semana e apresentou o “PanFlav”, que funciona como um tipo de PCR em tempo real.
“A incorporação de novas tecnologias ao SUS segue um processo definido pela CONITEC, que inclui a análise de evidências científicas robustas e a avaliação da viabilidade técnica e financeira. Além disso, a proposta também passará por análise de Bio-Manguinhos, responsável pelos testes moleculares atualmente fornecidos pelo Ministério da Saúde para a Rede de Serviços de Hemoterapia. Dada a complexidade da medida, ainda não há um prazo definido para a conclusão dessa avaliação e tomada de decisão”, informou em nota, o Ministério.
Atualmente, o Brasil testa o material doado para Hepatite B e C, Sífilis, doença de Chagas, vírus HTLV I e I, HIV e Malária.
A morte de Silvio Soares, um motorista de ônibus de 44 anos, com dengue enquanto estava internado havia quase um mês em processo de remissão do câncer em um complexo hospitalar na capital paulista é um dos três casos investigados pelo Centro de Vigilância Epidemiológica (CVE).
A suspeita é a de que ele recebeu “produtos” derivados do sangue doado (hemocomponentes) contaminados com o vírus da dengue.
Especialistas não consideram que a situação é um erro do hospital ou de equipes envolvidas no tratamento, mas uma situação que ainda está sendo estudada para ser evitada com novos métodos de detecção, como o apresentado ao Ministério da Saúde.
Para ser considerado comprovado o caso de dengue transfusional são feitos testes nas amostras do paciente infectado e da “bolsa de sangue” do doador para verificar se os sorotipos de dengue são parecidos.
O paciente Silvio Soares tratava em São Paulo, um mieloma múltiplo, que é um tipo de câncer da medula óssea. Na certidão de óbito dele constam edema no pulmão, o câncer e dengue como causas da morte.
O paciente fez um transplante de medula óssea, estava em remissão da doença e precisou de hemocomponentes.
“Depois de 15 dias internado, como ele pegou dengue dentro de um local que é todo fechado, com várias portas de vidro e com ar-condicionado? Ele foi intubado, foi para a UTI e o médico me disse depois que ele morreu com dengue”, contou Zélia Soares Pereira, irmã de Silvio, que morreu em 26 de maio depois de sintomas de dengue.
Silvio tratava o câncer desde outubro do ano passado quando teve o diagnóstico após sentir dores na coluna. “Achava que [a dor] era por causa de um acidente que teve antes”, diz a parente.
No caso de Silvio, foi identificado, por meio de rastreamento de bolsas de sangue, que um dos doadores do material usado teve dengue no período. Contudo, o caso dele ainda é considerado suspeito sobre a doença ter sido transmitida por meio da transfusão.
Cuidados na doação em SP
O Centro de Vigilância Epidemiológica do estado informou que os doadores de sangue ou órgãos infectados com o vírus da dengue podem não estar com sintomas no momento da doação.
Segundo o CVE, os profissionais de saúde “devem estar atentos aos doadores que apresentam quadros febris, náusea/vômitos, dor de cabeça” até 15 dias após a transfusão de sangue ou transplante.
Por nota, a Secretaria Municipal da Saúde disse que não foi notificada sobre os três casos apurados em São Paulo.
O Ministério da Saúde ressaltou que os doadores contaminados pela dengue são considerados inaptos por 30 dias após a recuperação clínica completa.
Quem teve dengue hemorrágica só pode doar sangue seis meses após estar totalmente assintomático. Além disso, quem teve contato sexual com pessoas que apresentaram diagnóstico nos últimos 30 dias deverão ser considerados inaptos pelo período de 30 dias, bem como os que fizeram uso de vacinas para dengue deverão aguardar o mês período de um mês.
Novo protocolo
Criado em junho deste ano, um grupo de trabalho formado por pesquisadores da Fiocruz, Sociedade Brasileira de Imunizações (SBIm), Sociedade Internacional de Transfusão de Sangue (ISBT) e Anvisa desenvolveu uma proposta para uma mudança no protocolo que deverá rastrear dengue e outros vírus em doadores de sangue.
A pesquisadora da Fiocruz Rafaella Fortini é uma das pessoas à frente do grupo de trabalho que recomendou o novo teste de sangue.
“Temos a criação de um protocolo rigoroso que não apenas abranja a triagem dos doadores por meio de entrevistas clínicas, mas que também inclua o teste laboratorial específico para identificar os flavivírus (que incluem vírus como da dengue, zika, vírus da febre amarela, peste do Nilo)”, explica.
Segundo Rafaella, a limitação dos métodos atuais de triagem, como as entrevistas antes da coleta, é um obstáculo à identificação precisa de portadores do vírus.
“Também está sendo discutida a viabilidade financeira e a infraestrutura necessária para a implementação dessa tecnologia de rastreio nos hemocentros, sendo que esse teste poderá ser produzido e fornecido pela Fiocruz.”
Essa tecnologia já está desenvolvida e se baseia em um teste molecular para detecção dos vírus nas amostras de sangue e consegue identificar os vírus flavivírus (Quatro sorotipos da Dengue, Zika Vírus, Vírus da febre amarela, Vírus West Nile [Oeste do Nilo] e Vírus da Encefalite de Saint Louis).
‘Sangue no Brasil é muito seguro’
José Eduardo Levi, biólogo, virologista e coordenador do comitê de doenças infecciosas transmitidas por transfusão da ABHH (Associação Brasileira de Hematologia, Hemoterapia) comenta que o Brasil é um dos países que mais faz testes no sangue doado.
“O Sangue no Brasil é muito seguro. Depois dos Estados Unidos, somos nós que mais fazemos o teste para agentes infecciosos no mundo. Foi o primeiro país do mundo a testar para malária. É bem controlado isso, tanto é que a gente não tem caso de transmissão transfusional para os agentes que a gente testa.”
A preocupação dos especialistas com a dengue no Brasil é parecida com a situação que viveram os Estados Unidos no início dos anos 2000 com o chamado vírus do Oeste do Nilo, também transmitido por mosquito, aponta Levi.
“Demorou mais ou menos 2 anos para perceberem que esse vírus também era transmitido por transfusão de sangue, e quando transmitido por transfusão de sangue e transplante de órgãos, era bastante agressivo. Começaram a fazer testagem obrigatória para o vírus e fazem até hoje, o Canadá faz também.”
O virologista defende que o país tenha, em breve, ao menos a testagem de grupos específicos que irão receber o material, como pacientes com a imunidade baixa ou aplicados nos momentos de epidemia.
Nota da Secretaria da Saúde
“A Secretaria de Estado da Saúde de São Paulo ressalta que os profissionais de saúde devem estar atentos aos pacientes que apresentam quadros febris, náusea/vômitos, dor de cabeça, entre outros sintomas, até 15 dias após a transfusão de sangue ou transplante. São Paulo emitiu, em julho deste ano, uma nota normativa conjunta com entidades como a Fundação Pró-Sangue, Hemorrede e Central de Transplantes, com orientações aos bancos de sangue quanto a verificação de sintomas aos doadores, mas informando também que infectados com o vírus da dengue podem não apresentar sintomas no momento da doação, mas estar em período de viremia. Assim, todos os casos suspeitos de transmissão via transfusional ou via transplante devem ser notificados imediatamente para os serviços de vigilância em saúde e para o banco de sangue que forneceu o hemocomponente, para avaliação e investigação do caso e do doador.
Neste ano, foram notificados três casos prováveis, de transmissão do vírus da dengue por meio de transfusões de hemocomponentes e/ou transplante de órgãos, na capital paulista.”
Nota do Ministério da Saúde
“A recomendação da Fiocruz, da Sociedade Internacional de Transfusão de Sangue, da Sociedade Brasileira de Imunizações e da Anvisa para a adoção de um novo método de rastreamento de dengue e outros flavivírus no sangue de doadores foi recebida pelo Ministério da Saúde e será devidamente analisada.
A incorporação de novas tecnologias ao SUS segue um processo definido pela CONITEC, que inclui a análise de evidências científicas robustas e a avaliação da viabilidade técnica e financeira.
Além disso, a proposta também passará por análise de Bio-Manguinhos, responsável pelos testes moleculares atualmente fornecidos pelo Ministério da Saúde para a Rede de Serviços de Hemoterapia. Dada a complexidade da medida, ainda não há um prazo definido para a conclusão dessa avaliação e tomada de decisão.”