‘Influenciadores mirins desdenham da educação e tentam atrair outras crianças e adolescentes para ‘trabalho’ supostamente rentável de sites Kiwify e da Cakto
Uma reportagem do site G1 deste sábado (22) mostra que crianças, que em tese não poderiam estar trabalhando, estão sendo usadas para faturar na Internet
Qual faculdade você pensa em fazer no futuro? Faculdade? Eu já ganho mais que 5 médicos no mês”.
“Não me garanto em muita coisa, mas coloca um celular na minha mão pra ver se eu não faço R$ 50 mil no mês”.
Frases como essas são ditas por adolescentes em vídeos publicados em contas com milhares de seguidores no Instagram e no TikTok.
O g1 encontrou ao menos 33 perfis com esse tipo de conteúdo nas duas redes e monitorou essas contas nos últimos três meses.
Foram encontradas contas de pessoas que vivem em São Paulo, no Paraná e no Pará.
O conteúdo delas se resume a postagens que minimizam a importância do estudo e onde os “influencers mirins” vendem a ideia de um trabalho fácil, mostram maços de dinheiro, citam altas cifras de faturamento na bio, mas não revelam a fonte da suposta riqueza.
Eles pedem que os interessados em saber a “receita” do sucesso mandem uma DM (mensagem privada) ou acessem um link. Ali é revelado que o caminho para “ter” uma vida como a deles começa por comprar um curso hospedado nas plataformas de marketing de afiliados Kiwify e Cakto, amplamente divulgadas pelos adolescentes.
O que é marketing de afiliados: é uma estratégia de vendas em que uma empresa ou pessoa (também conhecida como infoprodutor) cria e disponibiliza seu curso ou produto em plataformas dedicadas para isso. Outras pessoas, então, divulgam esses conteúdos com links exclusivos e ganham uma porcentagem em cima da venda delas.
Os cursos, que prometem ensinar a ganhar dinheiro com a participação em vendas desses mesmos cursos, têm nomes chamativos como “O Tesouro do Tráfego Orgânico” e “Acelerador de resultados”.
Eles são ministrados por outras pessoas que não os influencers. Por exemplo, no curso adquirido pelo g1, o irmão de uma menina que ostenta nas redes é quem dá as aulas.
Os conteúdos custam entre R$ 10 e R$ 200. Com isso, é necessário vender de 250 a 5 mil cursos para obter um faturamento de R$ 50 mil.
A pedido do g1, advogados especializados em direito da criança e do adolescente analisaram as postagens e disseram que podem ser casos de trabalho infantil on-line (veja o que dizem as regras abaixo).
Os adolescentes podem estar sendo usados por indivíduos mal-intencionados para praticar fraude (estelionato), avalia Kelli Angelini, advogada especialista em educação digital e autora do livro “Segredos da internet que crianças e adolescentes ainda são sabem”.
A legislação brasileira define o crime de estelionato (Art. 171) como a tentativa de “obter, para si ou para outrem, vantagem ilícita, em prejuízo alheio, induzindo ou mantendo alguém em erro, mediante artifício, ardil ou qualquer outro meio fraudulento”.
Neste caso, os menores podem estar sendo usados para vender cursos que prometem alto retorno, o que, na realidade, pode não se concretizar.
“É um caso gravíssimo porque as crianças que divulgam e as que assistem a isso são as verdadeiras vítimas. E o mais preocupante é como isso vem influenciando outras crianças a desvalorizar os estudos”, diz Denise Auad, da comissão dos direitos da criança e do adolescente da Ordem dos Advogados do Brasil em São Paulo (OAB SP).
O g1 procurou a Promotoria da Infância e Juventude do Ministério Público de São Paulo, o Ministério Público do Trabalho e o Ministério do Trabalho e Emprego, que informaram ter repassado o caso para os setores responsáveis.
As plataformas Kiwify e a Cakto, as mais divulgadas pelos “influencers mirins”, dizem não ter relação entre si.
No site Reclame Aqui, existem vários relatos citando a Kiwify e a Cakto feitos por clientes que não conseguem cancelar a compra de serviços oferecidos. Isso porque eles não conseguem encontrar os canais oficiais de atendimento ou porque os responsáveis não respondem.
Ao serem procuradas pelo g1 para falar sobre os perfis dos adolescentes que as divulgam, ambas as empresas informaram que menores de idade não estão autorizados a usar seus serviços.
Os preços desses cursos vendidos pelas crianças variam, mas geralmente costumam ficar entre R$ 10 e R$ 200.
No caso do adquirido pelo g1, que custa R$ 50, para faturar entre R$ 70 mil e R$ 100 mil por mês, como os influencers dizem conseguir, seria preciso que eles vendessem entre 1.300 a 2 mil unidades por mês desse conteúdo. Ou 46 vendas por dia — isso se as crianças recebessem integralmente o valor de cada curso.
No entanto, se elas ganham apenas uma comissão, a quantidade teria que ser ainda maior para atingir números expressivos de faturamento mensal.
Os influencers também aparecem com brindes recebidos das plataformas para celebrar marcos de vendas. Em um dos posts no Instagram, uma menina com 457 mil seguidores mostra a cesta de comidas enviada pela Kiwify. O kit tem um espumante.
A Cakto também costuma enviar brindes e mandou um espumante para essa mesma criança. Na publicação da menina, Caio Martins, CEO da Cakto, chegou a comentar: “Só não pode beber esse Chandon kkkkkkk
Matéria Original do site G1