Ativos públicos (linhas e espaços de pouso) foram arrendados como bens das empresas em apuros financeiros
Uma decisão liminar autorizou a Voepass (ex-Passaredo) a arrendar seus slots — espaços para pousos e decolagens em aeroportos. O ativo, regulado pela Agência Nacional de Aviação Civil (Anac), será comercializado para evitar a falência do grupo, conforme argumentou a empresa no processo judicial.
A liminar foi expedida logo depois de a Anac anunciar a liberação dos espaços para outras companhias nos terminais de Congonhas e Guarulhos. No processo, a Voepass citou o precedente aberto pelo caso Itapemirim, no qual, como mostrou a coluna, 125 linhas foram arrendadas para socorrer a massa falida da viação.
A Voepass pediu recuperação judicial, que ainda está sob análise, após ter sido proibida de operar em decorrência de irregularidades constatadas durante investigação sobre a queda de um avião que pertencia à companhia aérea, em um acidente que provocou 62 mortes.
No caso da Itapemirim, as linhas, que são reguladas pela Agência Nacional de Transportes Terrestres (ANTT), entraram na lista de ativos da massa falida e podem ser leiloadas para liquidar a empresa.
O arrendamento das linhas da Itapemirim, bem como a prorrogação dessa medida, foi autorizado mediante decisões liminares e monocráticas. A ANTT recorreu, em agravo de instrumento, argumentando que as rotas são, na verdade, uma concessão de serviço público. E, diante da incapacidade da Itapemirim de operá-las, deveria retornar para a União, e não serem arrendadas como forma de capitalizar a empresa falida, como tem ocorrido. O caso se encontra atualmente sob o crivo do Superior Tribunal de Justiça (STJ), aguardando julgamento.
Tanto no caso da Itapemirim quanto no da Voepass, ativos públicos estão sendo tratados como bens privados para “salvar” empresas privadas em crise. Nos dois casos, os arrendamentos são amparados por decisões liminares e monocráticas que não passaram pelo crivo colegiado nem pelo contraditório.
Itapemirim e Voepass são defendidas pela mesma banca de advogados. Além disso, a EXM Partners, administradora judicial da falência da Itapemirim, figura como assessora financeira na recuperação judicial da Voepass.
O caso Itapemirim, no entanto, criou um precedente que diverge de entendimentos anteriores. O STJ já foi instado a se manifestar sobre a prática de arrendar bens da União em processos judiciais, no caso da Pantanal Linhas Aéreas. A decisão, na ocasião, estabeleceu que ativos regulados não poderiam ser alienados, transferidos ou arrendados sem o crivo técnico da agência reguladora.

