Irmã de “apostolo” da Igreja Mundial, é dirigente do Cebap, investigada pela Polícia Federal pelas fraudes contra aposentados
A Polícia Federal descobriu que uma irmã do autointitulado apóstolo Valdemiro Santiago, fundador da Igreja Mundial do Poder de Deus, atua como dirigente do Cebap (Centro de Estudos dos Benefícios dos Aposentados e Pensionistas), uma das principais entidades acusadas de participação em um gigantesco esquema de fraudes contra aposentados e pensionistas do INSS.
Sonia Maria de Oliveira, de 64 anos, aparece nos registros oficiais como secretária-geral do Cebap e chegou a presidir eleições da associação, que é sediada na região da Avenida Faria Lima, zona oeste de São Paulo. Sozinho, o Cebap faturou R$ 202 milhões com mensalidades descontadas das aposentadorias desde que firmou seu acordo de cooperação técnica com o INSS, em dezembro de 2022.
A operação batizada de “Sem Desconto” aconteceu depois que a imprensa, em série de reportagens do site Metrópoles revelou que o grupo operava descontos indevidos em benefícios previdenciários, sem autorização dos segurados.
O Cebap integra a lista de associações que teriam aplicado golpes em aposentados por meio de convênios firmados com o INSS. Entre 2019 e 2024, o esquema investigado teria movimentado aproximadamente R$ 6,3 bilhões em cobranças irregulares.
A relação familiar entre a dirigente do Cebap e Valdemiro Santiago trás ainda mais repercussão ao caso, especialmente por envolver uma liderança religiosa de projeção nacional. Embora ainda não haja indiciamento formal contra a irmã do líder religioso, a Polícia Federal apura o grau de participação dela na autorização e organização dos débitos não consentidos.
Assim como outras entidades, o Cebap teria realizado descontos considerados irregulares, que surgiram nos contracheques dos beneficiários sem que houvesse autorização formal dos mesmos. Em nota oficial, o Cebap declarou ter suspendido novas adesões desde abril de 2024 e prometeu devolver em dobro os valores cobrados indevidamente de aposentados que comprovarem o prejuízo. A entidade também afirma que vem colaborando com as investigações.
A entidade foi habilitada pelo INSS a descontar mensalidade associativa equivalente a 2,5% do benefício diretamente da folha de pagamento dos aposentados em dezembro de 2022, durante transição do governo do ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) para o de Luiz Inácio Lula da Silva (PT).
Os descontos do Cebap começaram em junho de 2023, somando uma receita de R$ 388 mil no primeiro mês. Em menos de 10 meses, o faturamento mensal já havia saltado para R$ 9,9 milhões.
O Centro de Estudos dos Benefícios dos Aposentados e Pensionistas (Cebap) faz parte de um trio de entidades controladas pelo empresário Maurício Camisotti, do ramo de seguros e planos de saúde.
A Polícia Federal investiga Camisotti pelo suposto uso de laranjas para comandar as três associações, todas suspeitas de fraudes contra aposentados. A Operação Sem Desconto, deflagrada em abril, aponta repasses de R$ 43 milhões das entidades a Camisotti.
Fontes de dentro das associações e prestadores de serviços delas relataram, sob condição de reserva, que em meio às investigações policiais, as entidades contrataram empresas de compliance e escritórios de advocacia para regularizar a situação das associações.
Foi recomendado que parentes e pessoas próximas de Camisotti fossem substituídas por dirigentes de fora da relação do empresário e de suas empresas.
Uma delas tem donos que frequentam a empresa de Valdemiro Santiago e indicaram duas familiares do apóstolo para duas associações ligadas a Caomisotti.
Além de Sonia Maria de Oliveira, irmã de Valdemiro que está no Cebap, a mãe de um sobrinho do pastor atua na União dos Aposentados e Pensionistas do Brasil (Unsbras/Unabrasil), que faturou R$ 150 milhões com os descontos do INSS.
Segundo as mesmas fontes das entidades, foi proposto a elas apenas ajuda de custo para dirigir as associações.
O Cebap foi dirigido por um homem que também foi convidado por Camisotti a compor uma federação sediada em uma mansão no Lago Sul, em Brasília, que unia associações ligadas ao empresário e ao lobista Antonio Carlos Camilo Antunes, o Careca do INSS, suspeito de pagar propina a dirigentes do órgão federal. Todos negam quaisquer irregularidades.
Os advogados Daniel Bialski e Bruno Borragine, que defendem a Unsbras e o Cebap, afirmam que as entidades já possuíram “mais de uma
dezena de diretores e colaboradores que preenchiam os requisitos legais do INSS e internos para contratação”. “Relação familiar com terceira pessoa não é um requisito avaliado ao contratar colaborador e/ou gestor”
“Ademais, a Unsbras e seu quadro de colaboradores não se confunde com a Cebap de maneira que, a existência de possíveis parentes de colaboradores que possuem ligação com igrejas e outras entidades religiosas, é constatação de mera coincidência”, dizem os advogados.
A Operação Sem Desconto foi deflagrada em abril deste ano e já cumpriu mais de 200 mandados de busca e apreensão, além de ter afastado o presidente do INSS e outros servidores de altos cargos.
O escândalo derrubou o ministro da Previdência de Lula Carlos Lupi.
O Judiciário já determinou o bloqueio de bens e valores vinculados aos investigados. Até o momento, o montante bloqueado ultrapassa a casa dos R$ 2,8 bilhões.
Além do Cebap, outras entidades também foram apontadas como participantes do esquema, entre elas a AAPEN, AMBEC, AAPB, Contag, Sindnapi e Unaspub. O caso provocou uma crise política e levou congressistas a articularem a instalação de uma Comissão Parlamentar Mista de Inquérito (CPMI) para aprofundar as apurações no Legislativo.
Enquanto as investigações avançam, a participação da irmã de Valdemiro Santiago segue no centro das atenções. Ela pode ser chamada a depor como testemunha ou até mesmo se tornar formalmente investigada, caso as apurações apontem seu envolvimento direto no esquema.
O escândalo expôs um grave problema estrutural no INSS: a fragilidade dos convênios com entidades de representação de aposentados, que abriram caminho para o maior esquema de fraudes associativas já registrado contra o sistema previdenciário brasileiro. A expectativa é que a apuração interna da CGU e as ações da PF tragam novas revelações e responsabilidades nos próximos meses.
