Área está sob o mar a 2.500 km da costa brasileira; país tenta ampliar seus limites na ONU e garantir soberania sobre minérios estratégicos como cobalto, níquel e terras raras
O Brasil está em uma nova disputa geopolítica e científica: a reivindicação de uma imensa área submersa no Oceano Atlântico, próxima à elevação do Rio Grande, localizada a cerca de 2.500 quilômetros da costa sudeste do país, em direção ao sul do oceano. A região é submersa, mas possui uma área equivalente ao território da Espanha — cerca de 500 mil km² — e guarda um tesouro estratégico para o futuro: jazidas de cobalto, níquel, telúrio e elementos de terras raras, considerados essenciais para tecnologias de energia limpa, carros elétricos, baterias, turbinas eólicas e equipamentos eletrônicos de ponta.
A ação brasileira se dá no contexto da Convenção das Nações Unidas sobre o Direito do Mar (CNUDM), que permite aos países reivindicarem extensão de sua plataforma continental além das 200 milhas náuticas (aproximadamente 370 km) caso consigam comprovar cientificamente que o fundo do mar naquela região é uma continuação natural de seu território submerso.
O que é a Elevação do Rio Grande?
A Elevação do Rio Grande é uma cadeia de montanhas submarinas de origem vulcânica, localizada entre o litoral do Sudeste brasileiro e a Dorsal Mesoatlântica. Há anos, ela é objeto de estudos oceanográficos e geológicos. Pesquisas recentes lideradas por cientistas da Marinha do Brasil, da Universidade de São Paulo (USP) e de outros institutos apontam que se trata de uma formação geológica conectada ao continente sul-americano — e não à África, como algumas teorias sugeriam no passado.
Recursos estratégicos
Estudos conduzidos pela Companhia de Pesquisa de Recursos Minerais (CPRM) e pela Marinha indicam que a área contém nódulos polimetálicos e crostas cobaltíferas, ricos em cobalto, níquel, manganês, platina e terras raras. Esses minerais são considerados estratégicos por serem indispensáveis para a chamada transição energética verde.
O telúrio, por exemplo, é um dos materiais mais valorizados para a fabricação de painéis solares avançados, enquanto o cobalto é essencial para baterias de íons de lítio, usadas em carros elétricos e celulares.
Estudos indicam que a antiga ilha vulcânica tinha clima tropical e, muito provavelmente, era recoberta de florestas e rodeada por recifes. Com o tempo, a formação foi sendo naturalmente erodida pela ação do vento, da chuva e das ondas, e coberta por sucessivas erupções de lava, que deram origem aos tapetes de argila vermelha espremidos entre camadas de basalto preto.

A disputa na ONU
Desde 2004, o Brasil vem submetendo pleitos à Comissão de Limites da Plataforma Continental (CLPC), órgão da ONU responsável por analisar pedidos de expansão das zonas econômicas exclusivas marítimas. Em 2018, o país reivindicou a Elevação do Rio Grande, o que causou resistência internacional, sobretudo porque a região pode representar uma nova fronteira de exploração mineral em alto-mar.
A proposta brasileira ainda está em análise, mas o país tem intensificado sua argumentação científica e política. Se for aceita, o Brasil ganhará soberania sobre os recursos do subsolo marinho da área, o que significa o direito exclusivo de exploração econômica, especialmente da mineração em águas profundas.
Pressões geopolíticas e ambientais
A reivindicação também ocorre num momento de corrida global por minerais estratégicos. China, Estados Unidos e União Europeia disputam acesso a essas matérias-primas, o que aumenta o interesse sobre o Atlântico Sul.
No entanto, ambientalistas alertam para os riscos da mineração submarina, uma atividade ainda pouco regulamentada e com grandes impactos potenciais para ecossistemas marinhos desconhecidos. A região da Elevação do Rio Grande é lar de espécies únicas de corais de águas profundas e outras formas de vida ainda não catalogadas.
Marinha já atua na proteção da área
Mesmo antes de obter o reconhecimento oficial da ONU, a Marinha do Brasil já intensificou a presença estratégica na região, com missões de pesquisa, patrulhamento e levantamento geofísico do fundo do mar. Um dos navios que têm atuado na área é o Almirante Saldanha, equipado com sonares de última geração e operado por uma tripulação científica multidisciplinar.
Segundo o comandante da Marinha, almirante Marcos Sampaio Olsen, “o Brasil precisa garantir o controle e a proteção de suas riquezas no Atlântico Sul”, afirmando que o país “não pode abrir mão dessa nova fronteira econômica e científica”.
O que está em jogo
Caso a reivindicação seja aprovada, o Brasil pode dobrar a área de sua plataforma continental, que já foi estendida em outras regiões ao longo das últimas décadas. A soberania sobre a Elevação do Rio Grande pode projetar o país como uma potência mineral submarina, ao mesmo tempo em que levanta debates sobre a responsabilidade ambiental na exploração desses recursos.
A decisão da ONU ainda deve levar alguns anos, mas o Brasil tem acelerado seus estudos, diplomacia e presença no local — em uma disputa silenciosa e estratégica pelo que muitos já chamam de “o novo eldorado submerso” do século XXI.
Fontes: Marinha do Brasil, CLPC (ONU), CPRM, USP, IBGE, Ministério das Relações Exteriores.

