Uma das principais cooperativas exportadoras de mel orgânico do Brasil, a Casa Apis, sediada em Picos (PI), foi surpreendida nesta semana com o cancelamento de uma venda de 95 toneladas de mel orgânico para os Estados Unidos. O motivo: a tarifa de 50% sobre produtos brasileiros anunciada pelo ex-presidente Donald Trump, com vigência prevista para 1º de agosto.

A encomenda cancelada já estava com o despacho aduaneiro finalizado no Porto do Pecém (CE), pronta para embarque. O prejuízo, portanto, não se resume apenas à perda da venda — envolve também custos logísticos já pagos e o risco de perecimento do produto estocado.
“Fomos pegos de surpresa. Essa remessa estava pronta, separada, com toda a documentação aduaneira finalizada. Era só embarcar”, lamenta Sitônio Dantas, presidente da Casa Apis, que agora tenta reverter a situação por meio de uma representante da cooperativa nos Estados Unidos.
Impacto direto nos pequenos produtores
A Casa Apis reúne centenas de pequenos apicultores do semiárido brasileiro e exporta cerca de 2 mil toneladas por ano. Somente no primeiro semestre de 2025, já foram enviadas aproximadamente 1.000 toneladas ao exterior — boa parte destinada ao mercado norte-americano.
A cooperativa previa manter esse ritmo até o final do ano, mas a nova política comercial dos EUA colocou o planejamento em xeque.
“São famílias que vivem da apicultura. O mel orgânico não é apenas um produto, é uma forma de vida, sustentável e adaptada ao nosso clima”, explica Dantas.
O Piauí liderou as exportações de mel para os EUA em 2024, mesmo não sendo o maior produtor nacional. A razão está na qualidade e na certificação orgânica, fatores muito valorizados no exterior.
Brasil sob ataque tarifário
O mel é apenas um dos diversos produtos brasileiros impactados pelas novas tarifas impostas pelo governo Trump, que alega “proteção do mercado interno”. A medida, porém, tem gerado tensão em diversos setores da economia brasileira, principalmente aqueles baseados na exportação agrícola e de alimentos naturais, como é o caso da apicultura do Nordeste.
“O mercado americano representa 80% das exportações brasileiras de mel. Essa ruptura repentina coloca toda uma cadeia produtiva em risco”, afirma o economista agroindustrial Marcos Esteves, do Instituto AgroNordeste.
A nova tarifa de 50% reduz drasticamente a competitividade do mel brasileiro frente a concorrentes como México, Argentina e Nova Zelândia, que mantêm acesso ao mercado norte-americano com taxas menores.
Caminhos incertos
Com a mercadoria parada no porto e o futuro incerto, a Casa Apis agora busca alternativas emergenciais: negociar diretamente com o comprador para tentar manter o embarque mesmo com prejuízo, redirecionar o mel a outros países, ou recorrer a auxílio do governo federal.
Nos bastidores, o setor pressionava o Ministério das Relações Exteriores e o Ministério da Agricultura por uma resposta diplomática, mas até o fechamento desta edição nenhuma medida concreta foi anunciada.
Enquanto isso, milhares de pequenos produtores, especialmente nos sertões do Piauí, aguardam com incerteza os desdobramentos. A cada dia de atraso, aumenta o risco de perdas irreversíveis e desvalorização da carga.
O maior exportador de mel orgânico do mundo
O Brasil é considerado atualmente o maior exportador de mel orgânico do mundo, graças à vegetação nativa do semiárido, livre de agrotóxicos e ideal para produção sustentável. A cooperativa Casa Apis é um dos maiores símbolos dessa conquista, sendo referência internacional em apicultura de baixo impacto ambiental e alta qualidade.
Agora, esse trabalho pode ser comprometido por um movimento geopolítico que escapa ao controle dos produtores.
“Construímos esse mercado com décadas de esforço, respeitando todas as normas sanitárias e ambientais. Não merecemos ser penalizados dessa forma”, desabafa Sitônio.

