Por que EUA podem pagar caro pelo tarifaço e o que marcas “nacionais” como Brastemp e Consul têm a ver com isso

A guerra tarifária imposta pelo ex-presidente Donald Trump pode parecer, à primeira vista, um plano nacionalista para proteger a indústria americana. Ele a chama de “uma vitória para os EUA”. Mas, como alertou a rede britânica BBC em uma análise recente, os desdobramentos de um realinhamento global nas cadeias de fornecimento podem custar caro — não só aos Estados Unidos, mas também a países parceiros como o Brasil.

Isso ocorre porque o mundo hoje é profundamente interligado por cadeias produtivas multinacionais. O que começa como um imposto de importação nos EUA pode desorganizar fábricas no interior de São Paulo ou Santa Catarina. Um exemplo claro disso está em marcas que, à primeira vista, muitos brasileiros acreditam serem nacionais: Brastemp e Consul, por exemplo.

Marcas brasileiras, corporação americana

Lucros de Brastemp e Consul vão para os EUA

Brastemp e Consul são parte do cotidiano de milhões de brasileiros. Estão nas cozinhas, lavanderias e nas memórias afetivas de diversas gerações. Criadas no Brasil — a Brastemp em 1954, em São Bernardo do Campo, e a Consul em 1950, em Joinville — ambas foram incorporadas nos anos 1990 pela Por que EUA podem pagar caro pelo tarifaço e o que marcas “nacionais” como Brastemp e Consul têm a ver com isso Corporation, a maior fabricante de eletrodomésticos do mundo, com sede em Benton Harbor, no estado americano de Michigan.

A produção ainda é feita em território nacional, com fábricas em Rio Claro (SP) e Joinville (SC), o que ajuda a preservar empregos e renda local, mas o lucro é dos EUA. As decisões estratégicas, como investimentos, linhas de produto, tecnologia e política de preços, também são controladas a partir dos Estados Unidos. Vários componentes dessas marcas também são fabricados nos EUA e importados para montagem nas fábricas no Brasil.

Essa estrutura ilustra como o Brasil está inserido numa teia industrial global e sua indústria é maquiada. Componentes, tecnologias e até mesmo políticas comerciais desenhadas em Washington afetam diretamente o consumidor e o trabalhador brasileiro.

Tarifas de Trump: o efeito bumerangue

Trump retornou à presidência em 2025 e implementou sua proposta de campanha de aplicar tarifas de 10% a todas as importações, e até 60% para produtos da China, como prometido e com sérias consequências globais. Para o Brasil, os danos incluem:

Dificuldade para importar insumos essenciais usados em geladeiras, máquinas de lavar, aparelhos de ar-condicionado e eletrônicos, caso Lula reaja com reciprocidade.

Haverá aumento de custos na cadeia produtiva, já que diversas tecnologias usadas pela Whirlpool (e, portanto, por Brastemp e Consul) são desenvolvidas nos EUA e podem passar a ser taxadas, além de outras marcas e outros equipamentos domésticos ou não, como por exemplo os agrícolas, automotivos, aeronáuticos e industriais como plásticos.

Reação em cadeia de outros países, como China e União Europeia, aplicando retaliações comerciais — o que desorganizaria ainda mais o mercado global.

Além disso, se os EUA se tornarem um país menos atrativo para exportações devido ao protecionismo, empresas multinacionais podem realocar fábricas para mercados mais acessíveis. Isso poderia comprometer investimentos no Brasil.

Risco de isolamento

Na visão de analistas internacionais, como os ouvidos pela própria BBC, um realinhamento comercial global pode isolar os Estados Unidos em médio prazo. Se grandes economias passarem a operar com acordos regionais e fluxos internos, deixando os americanos de fora, o país pode sair prejudicado justamente por ter forçado um recuo nas trocas internacionais.

O Brasil, por sua vez, pode se ver em uma posição vulnerável — com produção local atrelada à estratégia de uma empresa americana e sujeito aos custos de uma guerra comercial na qual ainda não tem voz.

O que parece nacional pode não ser

A percepção de que marcas como Brastemp e Consul são “nacionais” cria uma falsa sensação de segurança. A realidade é que, se a matriz americana decidir rever seus investimentos ou estratégias em função de novos custos impostos por tarifas, o Brasil pode sofrer as consequências.

Ou seja, a chamada “vitória” tarifária contra Trump pode, no fim, representar uma derrota silenciosa para o consumidor e a indústria brasileira — e um lembrete de que, no mundo globalizado, decisões em Washington chegam às prateleiras do supermercado em São Paulo.

E quando isso acontecer, nem mesmo o nome familiar estampado na porta da geladeira será capaz de proteger o Brasil e os EUA das rachaduras da nova ordem econômica impulsionada por Donald Trump.


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