Faria Lima esconde R$ 55 bilhões em “fundos caixa-preta”

Fundos da Faria Lima são usados para ocultar dinheiro de crimes e fraudes

Fundos de investimentos da Faria Lima, principal centro financeiro do país, estão sendo utilizados como uma verdadeira caixa-preta ou cofre forte para esconder fortunas de organizações criminosas, políticos e empresários, e para blindar o patrimônio de grandes devedores.

Alvos de operações policiais contra um megaesquema de lavagem de dinheiro que envolve até o Primeiro Comando da Capital (PCC) e de disputas judiciais milionárias, os fundos passaram a ser alvo de investigação aprofundada pela PF.

Ao menos 177 fundos de investimentos que não são listados na Bolsa de Valores, operam sem auditoria ou são considerados inauditáveis por falta de documentos, possuem apenas um ou dois investidores, no geral — em mais da metade deles, o cotista é outro fundo —, e investem em apenas uma empresa. Juntos, eles acumulam R$ 55 bilhões em patrimônio líquido.

Todas essas características foram apontadas como suspeitas pela Polícia Federal (PF) e pela Receita Federal nos fundos que foram alvos das operações Quasar e Tank, que investigam o uso deste mecanismo do mercado para lavagem de dinheiro do setor de combustíveis. No Judiciário, a mesma engenharia financeira é apontada como um artifício para fraudes em disputas envolvendo bancos e grandes empresas.

As gestoras e administradoras desses fundos são seis instituições financeiras da Faria Lima que foram citadas ou são investigadas em diferentes operações policiais, ou têm sido cobradas pela Justiça a apontar o beneficiário final de fundos envolvidos em processos de dívidas milionárias. São elas: Altinvest, FIDD, Genial, Planner, Reag e Trustee.

Entre os casos estão os fundos usados pelos barões dos combustíveis investigados por fraudes, sonegação fiscal e lavagem de dinheiro, e outro ligado ao empresário João Appolinário, o dono da rede varejista Polishop que ficou famoso como um dos jurados do programa televisivo “Shark Tank” e trava uma batalha judicial com credores.

Há também o caso de um fundo da Reag, gestora investigada no suposto esquema de lavagem que conecta o PCC à Faria Lima, que é ligado à rede atacadista Roldão e teria sido utilizado para esconder a transação de um terreno subfaturado do Jockey Club de São Vicente, no litoral paulista. Em ao menos dois casos, as administradoras da Faria Lima têm driblado ou resistido a ordens judiciais para abrir a caixa-preta e identificar os reais beneficiários de fundos sob suspeita de blindar patrimônio de empresários.

Em documentos públicos disponibilizados, por exigência legal, na base de dados da Comissão de Valores Mobiliários (CVM), que tem o dever de fiscalizar esses ativos, em 71% dos 177 fundos com fragilidades detectadas, os auditores relatam que se abstiveram de fazer análise por falta de documentos essenciais. Nos demais (29%), não há sequer relatório de auditoria independente. Do total, 100 fundos têm apenas um único cotista, ao contrário dos fundos comuns. Ao menos 20 deles são mencionados em situações relacionadas a fraudes e até crimes.

Só a Reag, que foi o principal alvo das operações deflagradas em agosto, tem 72 fundos que operam como caixa-preta e gerem R$ 45 bilhões em patrimônio líquido. Do total, 47 deles têm como seus únicos cotistas outros fundos, o que cria uma camada para dificultar a identificação do beneficiário final dos recursos.

“A falta de transparência e conformidade é uma característica recorrente nesses esquemas, com fundos omitindo informações de seus ativos na CVM, atrasando ou ausentando-se de pareceres de auditoria independente”, afirmou a PF no relatório da investigação sobre o uso de fundos da Faria Lima por empresas do setor de combustíveis para blindar ou lavar dinheiro do crime.

Após apreensão de computadores e celulares das gestoras e administradoras da Faria Lima alvos das operações do dia 28 de agosto, a PF vai aprofundar as investigações sobre fundos que têm exatamente este perfil e entender se o mecanismo de caixa-preta oferecido pelo mercado financeiro foi utilizado por outras organizações criminosas.


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