Centenária sofre 40 anos para conseguir se aposentar e reflete mazelas do INSS e Judiciário

Por Victório Dell Pyrro

Uma mulher viveu para ver seu próprio centenário, mas quase não viveu para ver a aposentadoria do INSS. Celeste Lucas da Silva, nascida no distante 15 de novembro de 1923 em Bonfim, Roraima, superou as marcas humanas conhecidas — só não conseguiu superar o atraso da burocracia e incompetência. Foram exatos 40 anos de embate contra o relógio do Judiciário e do INSS, até finalmente, aos 101 anos, conseguir o direito que tinha ao benefício em março de 2025. Quem diria que sobreviver a duas guerras mundiais, à revolução tecnológica, à pandemia e à própria roça seria mais rápido do que receber o “parabéns, vovó, o INSS finalmente te reconheceu”.

.Uma saga digna de novela mexicana com “pitadas do mal”

Celeste criou 15 filhos. Enterrou marido há 40 anos e viu crescer uma família que mal cabe na varanda da casa em Boa Vista. Desde 1985 tentava se aposentar — isso mesmo, quando nem existia email para protocolar recurso. E enquanto ela enfrentava a roça, a seca e a espera, o INSS seguia tranquilo no seu ritmo glacial: cada documento negado era uma nova década de paciência.

A história dela pode ser resumida em “Fila, impugnação, recurso negado, e… mais fila” nos atendimentos presenciais que nunca deram resultado. Só para apimentar: enquanto Celeste aguardava (e aguardava), fraudadores profissionais do INSS enriqueceram em tempo recorde.

Celeste Lucas da Silva e a filha, Elizabeth da Silva Figueiredo. — Foto: G1

Em menos de um mandato de deputado, tem gente que já embolsou cinco aposentadorias falsas, navegando pelo sistema com senha VIP. Para eles, o INSS é mais rápido do que fila preferencial de banco em dia de pagamento. Para Celeste, parecia uma corrida de tartaruga contra um foguete.

O Judiciário não ficou atrás. Quando Celeste conseguiu provar todos os anos de trabalho como produtora rural, o Judiciário, numa exibição de ginástica processual habitual, resolveu adiar mais um pouco: “Ah, mas não mora mais na área rural, então não vale…” A cada negativa, o processo ganhava um novo protagonista e mais tempo para o roteiro se desenrolar. Advogados vieram e foram, petições históricas acumulavam poeira, e a aposentadoria virava lenda — quase tão inacreditável quanto a honestidade instantânea de quem desvia milhões do INSS sem que ninguém bata um carimbo e depois dizem que nãosabiam.

Uma lição de persistência (e humor)

Se há um setor onde paciência supera agilidade, é mesmo o dos direitos previdenciários. Para quem tem o nome no cadastro dos “espertos”, é só piscar: benefício liberado, saque autorizado e mansão garantida. Já para as Celestes do Brasil, é preciso sobreviver ao tempo e à lentidão — de preferência, com longevidade tipo a dela.

No fim, Celeste comemora o salário mínimo mensal que sustenta remédios e pão. Se tivesse seguido os atalhos dos fraudadores, talvez comprasse uma fazenda. Mas a honestidade costuma andar de ônibus; os golpistas são atendidos de helicóptero. Com humor, fica o recado: se o INSS te pedir “aguarde um pouquinho”, já comece a organizar o aniversário de 100 anos e mantenha a fé. Vai que a Justiça te visita antes do centenário.

Celeste não é a única a sofrer com as mazelas do INSS e do Judiciário. Enquanto milhões de brasileiros como a centenária Celeste esperam décadas para ver a aposentadoria, um verdadeiro baile bilionário acontece nos bastidores do INSS. Fraudes que somam R$ 6,3 bilhões mais parecem festa exclusiva, com pagamento de propina, assinaturas falsas e associações de fachada. E o ritmo não para: enquanto o cidadão comum aguarda no sofá, os fraudadores já colocaram a limusine na garagem e brindam com champanhe importado. O INSS, coitado, segue lento, pesada burocracia que engole tempo e paciência — mas não o dinheiro que desaparece nas contas erradas.

Vó Celeste, símbolo da resiliência

Agora aposentada, vovó Celeste enterra o sofrimento no quintal, junto das sementes de banana. E os filhos, netos, bisnetos e tataranetos ganham finalmente o privilégio de ver justiça feita ( se é que há justiça nesse caso cruel)— ainda que num tempo em que os fraudadores já estão de férias em Dubai e negam tudo na CPI protegidos por liminares do STF que lhesconcede o direito até de não responder perguntas.


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