Por Victório Dell Pyrro
Quando o União Brasil decidiu desembarcar — com todas as letras e fanfarras — do governo Lula, as engrenagens do ataque político de esquerda tocaram o terror a pleno vapor. Não demorou muito para que as denúncias contra o antes amado aliado pipocassem, nitidamente um modo elegante de atacar quem ousa abandonar o barco daquele arranjo cretino governamental. Uma trama digna que parece lembrar o personagem Odete Roitmam da trama de Gilberto Braga, ao se vingar elegantemente de seus desafetos traidores, mesmo que seja com um tiro dado por capangas sem mostrar sua cara.
E quem melhor para virar alvo na trama real do “Vale Tudo” brasileiro atual, do que o próprio presidente do União Brasil, Antônio de Rueda, envolvido em um caso que revela no mínimo o tamanho do voo — literalmente — nas asas da corrupção política, ocultação de bens e lavagem de dinheiro tão combatida pela Lava Jato assassinada por marginais dentro e fora dos suntuosos prédios dos Três Poderes, depredados por uma multidão armada até os dentes com batons.
O tiro de misericordia chega com vazamento de informações turbulentas. Era o final do primeiro semestre de 2021, em Rio Branco, Acre, dentro de uma caminhonete Mitsubishi Triton L200. No banco do motorista, Pedro Valério, presidente do PSL no Acre; no banco traseiro, o ex-deputado federal Júnior Bozzella (União-SP); no banco do carona, o próprio Antônio Rueda. Após um almoço de trabalho para apresentar a chapa de deputados para a eleição de 2022, Rueda recebeu uma ligação telefônica que até hoje ecoa como sinônimo de dinheiro voando alto. Mas que, num lance de novela, pipoca na saída do ex-aliado unha e carne do governo Lula.
Como relatou Pedro Valério, “Ele veio aqui para a gente apresentar a chapa de deputados federais que a gente tinha montado (para a eleição de 2022)… Na volta do almoço, o Rueda recebeu uma ligação de alguém, e eu não sei o nome da pessoa, e a pessoa estava querendo saber dele como é que fazia o cálculo para poder pagar… o valor relativo a um jatinho. Aí o Bozzella perguntou pra ele: ‘Tá comprando outro jatinho?’. Ele falou: ‘Tô. Eu tenho cinco, quero chegar a dez’. Aí o Bozzella perguntou: ‘Mas é um investimento tão bom assim?’. Ele falou: ‘Cada jatinho desse deixa quinhentos paus por mês. Eu quero ter dez’.”O detalhe que destoa neste cenário é que, formalmente, Antônio Rueda não aparece como proprietário de nenhuma aeronave.
O presidente do União Brasil negou publicamente ser dono de jatinhos ou ter qualquer envolvimento com a empresa Transportes Aéreos Piracicaba (TAP). Mas a Polícia Federal investiga sua real ligação, suspeitando que Rueda seria o verdadeiro dono das aeronaves por meio de laranjas, uma prática tão comum quanto escancarada. Comum, mas nunca vista por quem fica indignado e condena cabeleireiras que passam baton em suas esculturas cegas.
Interessado em formato e volume da operação, o referido interlocutor ao telefone era ex-vereador de São Paulo (SP) Milton Leite (União Brasil), que declarou que não possui “nenhum negócio financeiro com Rueda” e que só mantém “assuntos partidários”, embora o teor da ligação sugira bem outra intimidade e voos mais altos. Por sua vez, o deputado Júnior Bozzella confirmou o diálogo, mas se recusou a comentar, alegando estar em outro momento político após ter deixado o União Brasil.
As quatro aeronaves que teriam relação com Rueda movimentaram R$ 60,4 milhões, conforme documentos da Agência Nacional de Aviação Civil (ANAC):
Uma Raytheon R390 (PR-JRR):
Pertencia à Fenix Participações, cujo quadro societário ostenta nomes como o advogado Caio Vieira Rocha, filho do ex-ministro do STJ César Asfor Rocha; o ex-senador e presidente do Republicanos no Ceará, Chiquinho Feitosa; e um empresário do setor automotivo em Pernambuco. Comprado do empresário imobiliário José Ricardo Rezek por cerca de R$ 13 milhões em outubro de 2024, o avião, segundo depoimentos do piloto Mauro Caputti Mattosinho, contava com Rueda como sócio.

Cessna 560 XL (PR-LPG):
Vendido em junho de 2022 por R$ 12,5 milhões de um empresário mineiro para o dono da rede de farmácias em Fortaleza, Francisco Willame Santiago, e Alessandro Bronze Toniza, empresário de Manaus. Logo concedido à Rico Táxi Aéreo, uma empresa de Manaus, em março de 2023 foi adquirido pela Magic Aviation, presidida pelo contador Bruno Ferreira Vicente de Queiroz, 37 anos, natural de Fortaleza, ligação que reaparece de modo suspeito.

Cessna Citation J2 (PT-FTC):
Comercializado em setembro de 2023 para a Serveg Serviços LTDA, localizada na periferia de Imperatriz (MA) e sob responsabilidade da dona Antônia Viana Silva Soares, que nega qualquer vínculo com a empresa ou a aeronave, dando contornos ainda mais nebulosos ao negócio. Anteriormente, o avião pertencia ao empresário Edison Tamascia, fundador da farmácia Farmarcas.

Gulfstream G200 (PS-MRL):
Em abril deste ano, foi vendido pelo dono do plano de saúde Samel, de Manaus, para a empresa Rovaniemi Participações S.A., situada em Fortaleza, pelo valor de US$ 4 milhões (aproximadamente R$ 21,2 milhões). Essa empresa, com capital de apenas R$ 100, também é presidida por Bruno Ferreira Vicente de Queiroz e funciona numa casa simples na rua Papicu, em Fortaleza.

Vale lembrar que a Operação Tank, conduzida pela Polícia Federal em Brasília em conjunto com a Operation Carbono Oculto, ainda mantém Rueda nas sombras, com menções formais até agora restritas ao depoimento do piloto Mauro Caputti Mattosinho, ainda que os indícios e suspeitas cresçam a olhos vistos. A PF não descarta abrir uma investigação própria caso surjam mais provas.
O timing destas investigações e das informações vazadas não poderia ser mais eloquente: só se intensificaram e vieram à tona quando o União Brasil resolveu romper com o governo Lula, uma clara demonstração de que certos dossiês estão guardados na manga para desqualificar quem ousa fugir da tutela do poder central da esquerda.
Neste país onde a corrupção parece voar em alta altitude, Antônio Rueda revela não apenas seu desejo insaciável por ampliar uma frota de jatinhos, mas também coleciona o que todos temem: a fama e o peso de encarnar nas asas da política corrupta um padrão de estratagema e impunidade que insiste em permanecer. Aqui está o retrato de um Brasil onde o dinheiro voa alto e a justiça vive de aterrissagens forçadas.

