Padre quebra a liturgia do perdão da igreja católica
Por Victório Dell Pyrro
Enquanto cerca de 46 milhões de brasileiros pregam a anistia aos manifestantes de 8 de janeiro, em uma recente celebração na Capela São José Operário, em Fortaleza, na última quinta-feira (26) o padre Júlio Lancellotti, figura conhecida por seu ativismo social controverso, surpreendeu fiéis e observadores ao usar o altar da igreja para incitar gritos contrários à anistia de presos políticos, com o bordão “Sem anistia!”.
O episódio gerou reações acaloradas e coloca em xeque o papel do sacerdote, cuja função essencial é pregar o amor, o perdão e a compaixão, especialmente para os marginalizados e sofredores, entre eles milhares de presos e suas famílias.
A pregação de Lancellotti, que festejou a rejeição da anistia como “força do povo” e associou a mobilização popular ao “amor de Deus”, se descola da prática cristã do perdão e da misericórdia. A escolha do padre ao endossar um discurso que propõe a manutenção do encarceramento e do sofrimento — cujo impacto moral e social é sentido não apenas pelos detentos, mas por seus parentes e comunidades — revela um paradoxo grave. Enquanto a Igreja defende os valores da caridade e do acolhimento, o posicionamento público do “religioso” ativista de esquerda traz um discurso punitivista em confronto direto com o princípio do amor incondicional de Jesus Cristo.
Além do impacto humano, a atitude do padre levanta questões éticas e doutrinárias. O altar não deveria ser um espaço para manifestações políticas inflamadas, sobretudo quando estas, ao pregar a exclusão e o castigo, se distanciam do ensinamento de Cristo, que estimulava a reconciliação e a transformação da pessoa em sofrimento.
Priorizar a punição ao invés da misericórdia pode reforçar o ciclo de segregação, marginalização e violência social, contradizendo a esperança cristã de redenção para todos.
O sofrimento das famílias dos presos e dos próprios encarcerados torna esse grito por “sem anistia” um gesto duro, cruel e controverso, pois nega a possibilidade da reintegração social e da reparação dos erros.
Em tempos em que a justiça restaurativa ganha espaço como caminho para a pacificação, com movimentações dentro do Congresso Nacional, a atitude do padre é vista como um retrocesso nos valores católicos.
A voz da fé ganha peso quando representa inclusão e cura, não quando se torna instrumento de exacerbamento das divisões e do rancor. Lancellotti incita ainda mais o ódio entre esquerda e direita que desune inclusive familiares.
Assim, a intervenção do padre Júlio Lancellotti, embora alinhada a uma pauta política específica, carece da compaixão e da ponderação esperadas de um líder religioso. Mais que milenar, o ensinamento de Jesus Cristo convoca para o amor que ultrapassa o rancor, para o perdão que supera a condenação. Utilizar o altar para advogar contra o perdão e a reconciliação não atende às urgentes necessidades humanas de acolhimento e paz. Que Deus o perdoe e que conforte os milhões de brasileiros que prezam pelo perdão e pelo cristianismo.

