Vale e Samarco tentam burlar multa por tragédia em Mariana e CGU aplica mais R1,9 bilhões de pena

Por Victório Dell Pyrro

Dez anos após o desastre da Barragem de Fundão, em Mariana (MG), que além de ceifar 19 vidas humanas provocou uma das maiores catástrofes ambientais do país, a mineradora Vale e sua controlada Samarco seguem desafiando a Justiça e a moral pública com uma prática escandalosa: tentar transformar a miséria causada por suas irresponsabilidades em benefício fiscal para fugir ao pagamento de impostos.

Nesta semana, a Controladoria-Geral da União (CGU) e o Conselho Administrativo de Recursos Fiscais (Carf) aplicaram uma multa recorde de R$ 1,92 bilhão às duas mineradoras. A penalidade é resultado da tentativa ilegal das empresas de deduzirem do Imposto de Renda Pessoa Jurídica (IRPJ) e da Contribuição Social sobre o Lucro Líquido (CSLL) valores pagos em multas ambientais e reparações referentes à tragédia.

A manobra, denunciada pela Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional, foi considerada uma afronta à legislação tributária, que é clara ao impedir que custos relacionados a penalidades ambientais sejam usados para abater tributos.

Esse esquema tenta transformar a punhalada contra a sociedade e o meio ambiente em suposta despesa “normal” e “necessária” aos negócios, legitimando o injustificável: a Vale e a Samarco querem lucro até na reparação dos danos que causaram — um verdadeiro escárnio institucional e ético.

Mas o episódio representa apenas a ponta do iceberg da impunidade e do jogo sujo dessas gigantes.

Bombeiro resgatando vítimas na tragédia de Mariana

Além de serem multadas em quase dois bilhões, as mineradoras mantêm um histórico de pagamentos pífios das multas ambientais — menos de 7% do total devido foi efetivamente quitado nos últimos anos — e continuam resistindo a arcar com suas responsabilidades.

Em 2024, um novo acordo judicial, conhecido como “Novo Acordo da Bacia do Rio Doce”, foi firmado para tentar garantir o cumprimento das obrigações, incluindo o repasse de cerca de R$ 1,88 bilhão já depositados para reparação. Contudo, essa quantia é ínfima diante da destruição provocada na área, da perda irreparável de biodiversidade e da miséria imposta às comunidades atingidas.

Para completar, investigações revelaram práticas fraudulentas no sistema de indenizações da Fundação Renova, braço criado para gerir os recursos e compensações.

Fraudes documentais favorecem lobistas e intermediários inescrupulosos, aprofundando o sofrimento das vítimas que aguardam décadas por justiça.

O papel da Vale e Samarco no desastre de Mariana é uma chaga aberta na história do Brasil, um exemplo cristalino de como o capitalismo brasileiro, em sua face mais brutal, protege os interesses das corporações em detrimento da vida humana, do meio ambiente e do bem comum.

A decisão da CGU e do Carf, ao multar essas empresas, é um passo imprescindível, mas ainda insuficiente para reparar a dimensão do estrago. Vidas perdidas não têm preço.

Enquanto não houver punição exemplar e responsabilização criminal eficaz, a mensagem será clara: na balança entre o lucro e a vida, as mineradoras continuarão a preferir números nos balanços a barragens seguras e florestas preservadas.

Cabe à sociedade, imprensa e órgãos de controle intensificarem o combate a essa impunidade bilionária antes que outras tragédias secas ou apenas um silêncio sepulcral sejam a resposta que teremos.


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