Por Victório Dell Pyrro
Senadores aprovam surreais supersalários para funcionários públicos privilegiados enquanto brasileiros ralam para levar R$ 2 por almoço da família em média
Em pleno Brasil do salário mínimo de R$ 1.412, onde milhões ralam por 44 horas semanais para levar menos de R$ 50 por dia para casa, o Senado Federal produziu nesta quarta-feira (3) sua obra-prima corporativista: um aumento generoso, silencioso e simbólico — no pior sentido — que empurra os holerites dos servidores para um patamar delirante de até R$ 117 mil mensais. É o equivalente a 83 salários-mínimos. Um brasileiro comum precisaria trabalhar sete anos para ganhar o que um único servidor marajá da Casa embolsa em um mês. Em um só ano ficarão milionários, recebendo cerca de R$ 1,5 milhão cada.
A manobra não apenas reajusta salários entre 2026 e 2029. Ela inaugura mais um clássico “penduricalho” — desses que o Brasil finge que combate, mas cultiva com zelo — a tal licença compensatória, um bônus travestido de indenização que pode chegar a R$ 29,2 mil, livre de Imposto de Renda, livre do teto constitucional e livre de qualquer senso de pudor. É a institucionalização oficial do “trabalhe três dias, ganhe quatro”. Em vez de reduzir privilégios, o Senado decidiu ampliá-los — e ainda blindá-los com selo de isenção fiscal.
A votação, claro, foi simbólica. Assim, ninguém precisa se comprometer publicamente com a farra, ninguém deixa impressões digitais no crime orçamentário. O único a assumir voto contrário foi Eduardo Girão (Novo-CE). O resto preferiu a comodidade do anonimato. Afinal, explicar ao eleitor que se aprovou salário de seis dígitos para funcionários de gabinete não rende voto.
O autor do relatório, Veneziano Vital do Rêgo (MDB-PB), até o momento mantém prudente silêncio. Prudente porque qualquer tentativa de justificar supersalários enquanto o país enfrenta inflação, serviços públicos degradados e famílias inteiras sobrevivendo com menos de R$ 2 por refeição seria um exercício de ficção científica.
Para completar a obra, o Senado aproveitou a tarde para também aprovar aumentos no TCU, cuja conta chegará a R$ 92 mil mensais para alguns servidores — igualmente turbinados pelo mesmo penduricalho que se transformou no novo truque mágico de Brasília para furar o teto salarial constitucional. O Brasil, segundo estudo recente de Movimento Pessoas à Frente e República.org, já era o campeão mundial de supersalários. Agora, reforça o título com orgulho olímpico.
O detalhe obsceno é que tudo isso é apresentado como “verba indenizatória”. Ou seja, enquanto o cidadão comum paga imposto sobre um bico no fim de semana, assessores de senador poderão receber quase R$ 30 mil sem pagar um centavo de IR. O benefício vale inclusive para funcionários dos gabinetes dos próprios senadores. Brasília recicla, com eficiência, o velho hábito da nobreza: distribuir privilégios a si mesma enquanto aponta ao resto do país a porta do sacrifício.
A conta final chega a R$ 117.036,37 para um servidor do topo da carreira:
R$ 24.181 de vencimento básico;
R$ 24.422 de GAL;
R$ 14.992 de função FC-6;
R$ 24.181 de GDAE;
- R$ 29.259 de licença compensatória.
No país real, professores recebem R$ 4 mil. Enfermeiros, R$ 4,7 mil. Policiais militares iniciam carreira com R$ 6 mil. No Brasil oficial, assessores legislativos a milhares de quilômetros salariais de qualquer hospital ou escola pública recebem o equivalente ao preço de um carro zero por mês.
É um tapa no rosto do contribuinte. Um deboche ao teto constitucional. Uma confissão explícita de que o Senado não legisla para o Brasil — legisla para sua própria corte.
Enquanto o trabalhador brasileiro conta moedas para fechar o mês, Brasília segue multiplicando seus penduricalhos, seus privilégios e seus salários de casta. A castanha de luxo do orçamento — cara ao ponto da obscenidade — continua intocável.
No fundo, o problema não é o supersalário. É a superdistância entre quem manda e quem paga a conta. E essa, como se vê, só aumenta.



