Aguinaldo Ribeiro:TCU absolve chefe e condena faxineira fantasma em justiça de cabeça pra baixo

Por Victório Dell Pyrro

No caso da funcionária fantasma de Aguinaldo Ribeiro, o tribunal enxergou culpa apenas onde há miséria — e inocência exatamente onde há poder, verba e caneta.

O Tribunal de Contas da União decidiu, com todas as letras — ainda que escritas em tinta invisível para evitar constrangimentos — que o responsável pelo escândalo da funcionária fantasma no gabinete de Aguinaldo Ribeiro não é o chefe do gabinete, não é o deputado que assinou a nomeação, não é quem controlava a verba, não é quem se beneficiou politicamente da estrutura. Não. O grande cérebro por trás do esquema, segundo o TCU, é Solange de Oliveira Mota, uma faxineira da Paraíba que, segundo o tribunal, teria arquitetado um enredo administrativo digno de um thriller político.

A própria Câmara já havia feito o trabalho pesado: descobriu que Solange acumulava 40 horas semanais como auxiliar de serviços gerais em uma escola estadual, ao mesmo tempo em que recebia como secretária parlamentar lotada em Brasília, função cuja descrição de atividades ninguém — absolutamente ninguém — conseguiu explicar. As folhas de frequência assinadas pela chefia de gabinete eram tão verossímeis quanto um mapa do tesouro rabiscado por criança: horários incompatíveis, jornadas simultâneas em estados diferentes, e uma rotina “em Brasília” sustentada apenas por papel timbrado.

Mas nada disso sensibilizou o sombrio pragmatismo do TCU. Na hora de distribuir responsabilidades, o tribunal preferiu abraçar a velha matemática política: quanto maior o poder, menor a culpa; quanto mais vulnerável o acusado, maior a punição. Resultado: Aguinaldo Ribeiro não levou multa, não levou advertência, não levou nem sombra de constrangimento oficial. Já Solange, que mal consegue reorganizar a própria vida, foi convertida na única responsável pela sangria de dinheiro público.

A ironia seria engraçada, não fosse trágica. Para o TCU, Solange conseguiu a façanha logística de trabalhar integralmente na Paraíba enquanto exercia, simultaneamente, função técnica no Distrito Federal. Teletransporte? Dom de ubiquidade? Um clone criado secretamente pela biotecnologia do Congresso? Não. Segundo o tribunal, foi só “má gestão individual”. O deputado, claro, continua sendo mero espectador dos próprios atos administrativos: ele assina, mas não vê; nomeia, mas não sabe; se beneficia, mas não percebe.

O relatório interno da Câmara — ignorado na prática pelo TCU — foi explícito: apenas Aguinaldo sabia explicar a suposta rotina de Solange. O que deveria ser prova de responsabilidade direta virou, nas mãos do tribunal, uma espécie de carta de absolvição. É a reinvenção da doutrina do “chefe inocente”: o gabinete se autoadministra, a verba se autogera, a folha de ponto se autopreenche, e o deputado é sempre o último a saber — apesar de ser o primeiro a se beneficiar.

O recado é cristalino, pedagógico até, embora ao avesso:
Se o esquema funciona, o crédito é do político eficiente.
Se o esquema explode, a culpa é da faxineira.

A decisão do TCU não apenas insulta a inteligência do cidadão: ela reafirma o pacto silencioso que protege o andar de cima. O tribunal legitima, com selo oficial, a lógica da impunidade seletiva — aquela em que o poder político funciona como um colete à prova de responsabilização. É como se dissesse ao país: “Sim, houve fraude; sim, houve desvio; mas relaxem, o importante é que ninguém importante seja incomodado.”

No final, o veredito não inocenta Aguinaldo; ele apenas condena o próprio TCU a mais um capítulo de descrédito. E sacrifica, como sempre, o lado mais fraco — porque, no Brasil, a corda não apenas arrebenta do lado mais frágil. Ela é puxada, esticada e cortada exatamente para que o fraco leve a culpa do forte.