Cineasta franco-suíço citado em música do Legião Urbana não estava doente, mas exausto
Diretor de ‘Acossado’ (1960) e ‘O desprezo’ (1963) rompeu paradigmas do cinema mundial e influenciou produções cinematográficas ao longo das décadas posteriores. A música da banda Legião Urbana, Eduardo e Mônica de autoria de Renato Russo, fez sucesso na década de 80 com citação ao cineasta.
“Eduardo e Mônica trocaram telefone, depois telefonaram e decidiram se encontrar. O Eduardo sugeriu uma lanchonete, mas a Mônica queria ver um filme do Godard“, diz trecho da canção que foi considerada enorme para os padrões da época com 04:32 de duração. A música também virou filme dirigido por René Sampaio.
O cineasta também é citado na faixa “Selvagem”, dos Paralamas do Sucesso.
“O governo apresenta suas armas // Discurso reticente, novidade inconsistente // E a liberdade cai por terra aos pés de um filme de Godard”.
Skank, Engenheiros do Havaí e Cachorro Grande foram outras bandas nacionais que já citaram o diretor em suas canções.
Segundo o jornal Libération, Jean-Luc Godard morreu por suicídio assistido. O cineasta franco-suíço morreu nesta terça-feira (13), aos 91 anos.
De acordo com a publicação, uma fonte da família de Godard afirmou que “Ele não estava doente, estava simplesmente exausto”. “Foi uma decisão dele e é importante que se saiba”, completou a fonte do jornal.
Ainda segundo o Libération, uma segunda pessoa próxima ao cineasta confirmou a informação. A família ainda não se manifestou oficialmente sobre o assunto.
O suicídio assistido é legalizado na Suíça, desde que o paciente não tenha ajuda de terceiros no momento da morte. Mais cedo, em um comunicado, Anne-Marie Miéville, mulher de Godar, afirmou que o cineasta “morreu pacificamente em casa, cercado por entes queridos”, em Rolle, àss margens do Lago de Genebra.
Godard foi um dos fundadores da Nouvelle Vague, um dos movimentos mais importantes do cinema mundial, criado na França no fim dos anos 1950 e que levou novos paradigmas de estética às produções cinematográficas do mundo inteiro.
Cortes bruscos, câmera em mãos e diálogos existenciais são algumas das características que definem a estética do movimento, que influenciou diretores ao longo das décadas seguintes.
O diretor realizou mais de 40 longas-metragens ao longo de 70 anos de carreira, além de curtas-metragens, documentários experimentais, ensaios cinematográficos e vídeos de música.
Genial, criativo, polêmico, irrequieto e prolífico são alguns dos adjetivos atribuídos ao cineasta.
O presidente francês, Emmanuel Macron, se pronunciou sobre a morte do cineasta, a quem chamou de “gênio” e “iconoclasta”.
“Jean Luc-Godard foi o mais iconoclasta dos cineastas da Nouvelle Vague. Ele inventou uma arte decididamente moderna e intensamente livre. Perdemos um tesouro nacional e um gênio”, declarou.
Godard iniciou sua carreira como crítico de cinema. Depois, passou a fazer filmes e documentários experimentais.
Entre suas obras de maior destaque estão “Acossado” (1960) e “O desprezo” (1963), estrelado por Brigitte Bardot. Godard também é responsável por filmes como “Viver a Vida” (1962), “Alphaville” e “O Demônio das Onze Horas”, ambos de 1965, “Week-End à Francesa” (1967), “Carmen” (1983), “Eu Vos Saúdo Maria” (1985) e “Adeus à Linguagem” (2014).
Grande parte dos títulos adotava um novo estilo de filmagem, redefinindo as normas de câmera – mais portáteis e com mais movimento -, som e narrativa, além de cortes e diálogos existenciais.
Suas produções também causaram controvérsia em setores tradicionais, com a igreja católica. O longa “Je Vous Salue, Marie” (1985) foi rejeitado pelo então papa João Paulo II e chegou a ser proibido no Brasil na época, sob alegação de que a história era uma ofensa às crenças católicas.
O filme conta duas histórias paralelas. Uma é sobre José (Theirry Rode) e Maria (Myriem Roussel), um casal contemporâneo. José é taxista, Maria trabalha em um posto de gasolina. Um anjo anuncia a Maria que ela está grávida, o marido a acusa de traição, e ambos têm o desafio de aceitar a gravidez e os planos divinos. Na segunda história, um grupo estuda sobre a origem da vida, analisando algumas teorias. O professor de ciências tem um caso com uma aluna, com quem mantem discussões filosóficas. Godard utiliza as imagens e a narrativa para abordar a espiritualidade moderna e a relação entre corpo e espírito.
Em 2014, Godard ganhou o prêmio do júri do Festival de Cannes por “Adeus à Linguagem”. Em 2018, concorreu pela Palma de Ouro em Cannes com “Imagem e Palavra”, uma reflexão sobre o cinema e o mundo.
Além de vários Ursos em Berlim e Leões em Veneza, ele recebeu homenagens pelo conjunto de sua obra em premiações como o César, o Oscar e em Cannes.
Em março de 2021, ao completar 90 anos, Godard anunciou planos de se aposentar. Mas antes, declarou que faria mais dois filmes. “Estou finalizando a minha vida no cinema — sim, minha vida de cineasta — com mais dois roteiros. Depois disso, eu direi: ‘Adeus, cinema!'”, declarou.
Nascido em Paris em 1930, Jean-Luc Godard era de uma família franco-suíça, filho de um médico e neto de um dos fundadores do banco francês Paribas.