Contador ligado a Lula é suspeito de lavar R$ 16 milhões em loteria com PCC

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Sortudo” e sua mulher ganharam 55 vezes em loterias federais somente em 2021, segundo apurações policiais.

Com Correio Braziliense

Departamento Estadual de Investigações sobre Narcóticos (Denarc) pediu à Justiça o sequestro de bens do contador João Muniz Leite por suspeita de lavagem de dinheiro do crime organizado. O investigado e sua mulher ganharam 55 vezes em loterias federais somente em 2021, segundo apurações. Em uma das vezes, ele dividiu prêmio de R$ 16 milhões na Mega Sena com o traficante de drogas Anselmo Becheli Santa Fausta, o Cara Preta, considerado um dos principais fornecedores de drogas do Primeiro Comando da Capital (PCC). Santa Fausta foi morto em dezembro do ano passado.

O Ministério Público estadual concordou com o pedido da polícia. Muniz foi contador do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT), de quem fez as declarações de Imposto de Renda de 2013 a 2016. Seu escritório atual, na Rua Cunha Gago, em Pinheiros, fica no mesmo endereço em que Fábio Luís Lula da Silva, o Lulinha, filho do ex-presidente, mantém três empresas: a FFK Participações, a BR4 Participações e a G4 Entretenimento, conforme dados da Junta Comercial de São Paulo.

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Não há menção na investigação do Denarc a Lula e a seu filho, além da coincidência de endereços.

O prêmio de R$ 16 milhões foi dividido em cinco partes. Muniz ficou com duas; Santa Fausta, com três. Os policiais do Denarc desconfiam de que foi com esse dinheiro, esquentado por meio do prêmio pago pela Caixa Econômica Federal, que Santa Fausta comprou a empresa de transporte UPBus em parceria com cinco integrantes do PCC e 18 de seus familiares. A empresa mantém contrato de R$ 600 milhões com a Prefeitura de São Paulo e opera 13 linhas de ônibus na zona leste.

Conforme as investigações do Denarc, a mulher do contador – cujo nome não foi revelado – ganhou 49 vezes na loteria, somando R$ 2,16 milhões em prêmios. Em muitas das vezes ela teve prejuízo nas apostas. O delegado Fernando Santiago descobriu que ela gastou R$ 480 mil em uma ocasião para obter um prêmio de R$ 330 mil. Em uma outra oportunidade, apostou R$ 114 mil e ganhou R$ 62 mil.

Já o contador ganhou R$ 34,1 milhões em seis oportunidades. Em duas delas, os prêmios foram de R$ 16 milhões. Em uma terceira, apostou R$ 662 mil e ganhou R$ 425 mil. Na quarta vez, apostou R$ 84 mil e recebeu R$ 74 mil. A suspeita é de que os prêmios da loteria serviam para esquentar dinheiro ilícito, daí porque, na maioria das vezes, as apostas eram de valor superior aos prêmios obtidos pelos casal.

Muniz prestaria serviços a Santa Fausta na abertura de empresas com nomes falsos. Segundo a polícia, há indícios de lavagem de dinheiro com os prêmios de diferentes loterias da Caixa. Entre as empresas que ele teria aberto estaria a Eduardo Participações Patrimoniais.

O caso está na 1ª Vara de Crimes Tributários, Organização Criminosa e Lavagem de Dinheiro da Capital, que decidiria se decreta ou não o bloqueio dos bens do contador. A Justiça negou pedido de prisão de Muniz.

Aluguel

Há mais de uma década, Muniz é o contador de confiança da família de Lula. Em dezembro de 2017, ele chegou a prestar depoimento no âmbito de um incidente de falsidade aberto para apurar se eram frios os comprovantes de quitação de aluguel entregues pela defesa do ex-presidente à Justiça Federal.

À época, o Ministério Público Federal sustentava que a Odebrecht bancava aluguéis de um apartamento vizinho ao de Lula em um edifício em São Bernardo do Campo (SP). O imóvel pertencia a Glaucos da Costamarques, primo do pecuarista José Carlos Bumlai, próximo do petista, e réu confesso na Lava Jato. E, segundo a apuração, ficava também à disposição do ex-presidente.

Então juiz do caso, Sérgio Moro descartou a falsidade dos recibos. No entanto, a Procuradoria afirmou que, mesmo não tendo sido fabricados, os comprovantes eram frios. Ou seja, que Lula nunca havia pago pelos aluguéis do apartamento. Após a decisão que tornou o ex-juiz da Lava Jato suspeito, o processo teve suas provas anuladas e acabou sendo arquivado.

Mapa da mina

Depois do processo contra o ex-presidente, Muniz voltou a ter uma vida reservada. Sua relação com a família, no entanto, se estreitou. Os movimentos ficaram evidentes em novembro de 2019, um mês antes da Operação Mapa da Mina, fase da Lava Jato que investigou contratos milionários da Oi com empresas de Lulinha.

Naquele mês, Lulinha rompeu a sociedade com Jonas Suassuna, empresário que era dono do sítio Santa Bárbara, em Atibaia. Foi por causa desse sítio que Lula foi condenado pela segunda vez na Lava Jato, caso que também teve suas provas invalidadas.

No mesmo ato em que Lulinha rompeu a sociedade com Suassuna, registrado na Junta Comercial de São Paulo, o endereço da sede da BR4 Participações foi transferido para a Rua Cunha Gago, número 700, conjunto 11. Outras duas empresas de Lulinha, a G4 Entretenimento e Tecnologia, e a FFK Participações, também se mudaram para aquele endereço. Somadas, as três possuem capital de R$ 4,3 milhões.

O endereço é o mesmo utilizado por Muniz para sediar, desde outubro de 2017, sua empresa de venda de equipamentos de informática, a CDigital Network Security. No mesmo prédio, no bairro de Pinheiros, mas cinco andares acima, o contador já registrou outras cinco empresas.

O jornal O Estado de S. Paulo esteve na quarta-feira no endereço do contador em Pinheiros, mas não conseguiu localizar Muniz ou a sua defesa. A empresa JML Assessoria Contábil funciona no endereço em salas dos 1.º e 6.º andares, conforme registrado em painel na entrada do prédio. Mas ali não há registro de nenhuma das empresas de Lulinha que estão registradas na Junta Comercial.

A reportagem procurou ainda a assessoria de Lula e a sua defesa e a de seu filho. O advogado Cristiano Zanin Martins, que defende Lula, disse não saber se Muniz ainda presta serviços para o petista. O criminalista Fábio Tofic, que defende Lulinha, não se manifestou.

A defesa da família Santa Fausta e dos demais integrantes do PCC investigados pelo Denarc também não foi localizada pela reportagem.

Integrantes da facção eram acionistas de empresa

No caso da empresa de ônibus do PCC, a UPBus, o traficante Anselmo Santa Fausta teria usado o nome falso de Ubiratan Antonio da Cunha para fazer o negócio. Além dele, três integrantes da cúpula do PCC estavam entre os acionistas da empresa. Ela foi alvo de operação do Denarc em 2 de junho. Policiais descobriram que Santa Fausta tinha como sócios Silvio Luiz Ferreira, o Cebola; Cláudio Marcos de Almeida, o Django; e Décio Gouveia Luis, o Português, todos acusados de compor a cúpula da facção.

Outros dois integrantes do PCC foram identificados como sócios da UPBus: Alexandre Salles Brito, o Xandi; e Anísio Amaral da Silva, o Biu.

De acordo com o delegado Fernando Santiago, da 4.ª Delegacia do Denarc, a investigação começou depois do assassinato de Santa Fausta, em dezembro de 2021, no Tatuapé. Ele estava com Antonio Corona Neto, o Sem Sangue, também assassinado.

Na operação do dia 2 de junho, o Denarc cumpriu 62 mandados de busca e apreensão. Os policiais apreenderam celulares, computadores, documentos, dois fuzis, pistolas, revólveres e grande quantidade de munição.

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