Relatórios da Abin sobre ameaças à posse presidencial não foram enviados ao gabinete de transição
A Agência Brasileira de Inteligência (Abin) excluiu o gabinete de transição do governo Lula de três informes sobre riscos e violência em potencial na posse presidencial de 1º de janeiro, enviados ainda na gestão Jair Bolsonaro.
Um deles foi o relatório “Perspectiva de ação violenta por atores extremistas no contexto da posse presidencial”, produzido em 27 de dezembro, 12 dias antes do 8/1. O documento informava que a principal fonte de ameaça extremista à posse eram movimentos de deslegitimação do Estado e supremacistas brancos e neonazistas.
- “Observam-se (…) iniciativas de espelhamento de movimentos originados no exterior e importação de agendas políticas e narrativas conspiratórias (…), o que eleva a preocupação em relação à ocorrência de incidentes como a invasão do Capitólio”, afirmou o documento, citando a invasão do Congresso dos Estados Unidos por eleitores de Donald Trump após a eleição de Joe Biden.
O esforço golpista vinha aumentando desde os protestos em Brasília em 12 de dezembro, data da diplomação de Lula, segundo a Abin. Naquele dia, bolsonaristas saíram dos arredores do Quartel-General do Exército em Brasília, tentaram invadir a Polícia Federal e deixaram um rastro de destruição no centro da capital, com ônibus e carros queimados.
O relatório alertou que, no contexto da posse presidencial, poderia haver:
atos de vandalismo e dano à propriedade pública e privada;
ação contra caravanas que chegam para a posse;
ataques contra opositores em diferentes pontos de Brasília;
conflitos pontuais entre grupos antagônicos, de forma não premeditada;
invasões ou bloqueios de prédios, espaços públicos e infraestruturas críticas;
invasão do espaço reservado para a cerimônia de posse e demais eventos; e confronto contra forças de segurança. Naquele contexto, a Abin já via como “provável” a tentativa de execução de ações violentas por parte de grupos extremistas na posse presidencial. A análise foi enviada à Polícia Federal, ao Ministério da Justiça e Segurança Pública, ao governo do Distrito Federal e ao Gabinete de Segurança Institucional, mas não à equipe de transição.
O governo de transição também não recebeu os informes “Indivíduos envolvidos em atos de violência em Brasília/DF” e “Ameaças contra aeroportos no contexto da sucessão presidencial”, ambos de 29 de dezembro.
O informe sobre aeroportos analisa a tentativa de atentado a bomba ao aeroporto de Brasília em 24 de dezembro daquele ano.
De outubro do ano passado até 1º de janeiro, a Abin produziu relatórios mostrando como grupos armados e violentos se preparavam para tentar um golpe de Estado e realizar atos terroristas contra os três Poderes. Nove deles foram enviados ao gabinete de transição. Os informes de “segurança institucional”, produzidos semanalmente com um resumo das principais situações de risco, eram encaminhados à equipe de Lula, por exemplo.
A Abin ficava sob o guarda-chuva do Gabinete de Segurança Institucional (GSI), que centralizava as informações de inteligência. O ministro-chefe era Augusto Heleno, general da reserva do Exército.
Depois do 8 de janeiro, justamente para evitar que informações cruciais tivessem que passar pelo crivo dos militares do GSI, o governo Lula transferiu o comando da Abin para a Casa Civil.
O vice-presidente Geraldo Alckmin, responsável pela coordenação do governo de transição, disse que não iria comentar.
Os documentos mostram como o grau de alerta foi subindo à medida que o 8 de janeiro se aproximava. Em 30 de dezembro, o relatório de segurança institucional da Abin relatava uma desmobilização do acampamento em frente ao Quartel-General do Exército, que ocorria naquele momento.
O relatório — este, sim, enviado à equipe de transição — frisava que caravanas estavam se formando para vir à Brasília protestar contra a posse, pontuando que os remanescentes nos acampamentos poderiam ser justamente os militantes mais radicais.
Depois disso, nos dias que antecederam o 8 de janeiro, a Abin emitiu uma série de alertas às autoridades sobre os manifestantes vindo a Brasília. Marco Edson Gonçalves Dias, ex-ministro do GSI de Lula, é investigado sob suspeita de ter sido alertado sobre os atos e se omitido.