Segundo instituto, tentar destituir o governo sem, ao mesmo tempo, impedir o exercício de poderes constitucionais, é impossível
O presidente e dois diretores do Instituto Brasileiro de Ciências Criminais (IBCCrim) publicaram artigo neste fim de semana na Folha de S.Paulo para criticar a “sobreposição demasiada de crimes” nas condenações dos primeiros réus julgados pelo atos de 8 de janeiro. Os primeiros três julgamentos no Supremo Tribunal Federal (STF) impuseram penas entre 14 e 17 anos de prisão aos condenados.
“A pena concreta será uma variável dependente do número de crimes que se entender praticados e da relação entre eles, que pode ser de autonomia total, parcial ou continência. Por exemplo, em todo crime de roubo há um crime de furto, mas, dada a relação de continência, pune-se apenas o roubo. Eis um princípio central do direito penal: não se sanciona duplamente o mesmo fato (‘ne bis in idem)”, explicam Renato Stanziola Vieira, presidente do IBCCrim, e os diretores Raquel Lima Scalcon e Vinícius de Souza Assumpção em artigo que defende que as penas não foram adequadas.
Segundo eles, “o excesso não está na quantidade de anos em si —pode-se concordar com penas mais elevadas ou discordar de penas menores”. “A divergência reside na identificação de quais delitos ocorreram e na relação entre eles. Sustentamos que houve sobreposição demasiada de crimes em relação às condutas julgadas, que desaguou em excesso punitivo.”
Os primeiros réus foram condenados por abolição violenta do Estado democrático de Direito, golpe de Estado, dano qualificado, associação criminosa armada, todos do Código Penal, e deterioração do patrimônio tombado, lembra o artigo. Como destacou o ministro Luís Roberto Barroso no julgamento, abolição violenta do Estado democrático de Direito e golpe de Estado seriam equivalentes. “Parece-nos que ambos não podem incidir concomitantemente sobre uma mesma conduta no caso julgado, prevalecendo o crime de golpe de Estado, que contém a figura da abolição violenta do Estado democrático de Direito. Não parece possível tentar destituir o governo sem, ao mesmo tempo, impedir o exercício de poderes constitucionais”, argumenta o IBCCrim.
“Igual inconsistência há no acúmulo destes com o crime de dano qualificado que, por dicção legal, em seu inc. II, é subsidiário (‘se o fato não constitui crime mais grave’). Ademais, o fato de ter sido praticado ‘com violência à pessoa ou grave ameaça’ (inc. I) já tem seu desvalor abarcado pelo art. 359-L ou art. 359-M, que também exigem ‘violência ou grave ameaça’. E a qualificadora do inciso III, no caso concreto, integra a conduta de deterioração do patrimônio tombado pelo qual as pessoas foram condenadas —e, por isso, não deve ser aplicada”, dizem os especialistas no artigo.
Segundo o IBCCrim, resistiriam o delito de golpe de Estado, crimes de dano simples e o de deterioração do patrimônio tombado, sem descuidar de possível absorção da causa de aumento do crime de associação criminosa armada pelo primeiro, ponto para reflexão. “Não se discorda que os crimes foram consumados, mas, por haver parcial ou total coincidência de desvalor, suas penas não poderiam incidir concomitantemente. Em suma, sem se questionar a simbologia da condenação, deve ser resguardada a correspondência entre as condutas e a sua adequação com os tipos penais”, finaliza o texto.
Como informou reportagem da edição mais recente de Crusoé, os ministros do STF devem pesar ainda mais a mão e empregar um rigor maior na dosimetria das penas dos financiadores e dos autores intelectuais dos atos de 8 de janeiro.