Brasileira descobre como vírus da Covid-19 engana nosso sistema imunológico

Marcella Regina Cardoso é uma dos cientistas que identificaram mecanismo que vírus usa para escapar das nossas células de defesa

A cientista brasileira Marcella Regina Cardoso pediu em 2021, autorização à prestigiada instituição americana de Harvard para comandar uma linha de pesquisa sobre os possíveis mecanismos utilizados pelo Sars-CoV-2 para escapar das defesas imunológicas do nosso organismo.

Foram anos de dedicação da Ph.D, que até então estudava o potencial da imunoterapia contra o câncer de mama renderam resultados surpreendentemente significativos.

Marcella e o time de Harvard, em parceria com a Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), descobriram o caminho que o vírus da Covid-19 usa para enganar nosso sistema imunológico e ser bem- sucedido na infecção e na replicação viral.

Os achados da pesquisa acabam de ser publicados na revista acadêmica Cell, um dos três periódicos de maior impacto no planeta, ao lado de Nature e Science.

Em 2021, quando as vacinas ainda não estavam disponíveis no Brasil, a cientista, que estava terminando seu doutorado na Harvard Medical School, nos EUA, perdeu o pai para a doença.

“Depois que meu pai morreu, pensei: por que não usar minha bagagem intelectual, capacidade criativa e senso crítico para fazer a diferença nessa história?”, conta a cientista, formada na UFSCar e mestra e doutora pela Unicamp. Marcella se debruçou sobre um painel de dados genômicos e moleculares do agente da Covid-19 até reparar numa pista preciosa.

“Nós identificamos uma proteína acessória do coronavírus que lhe possibilita escapar de células de defesa conhecidas como natural killers (NK), as assassinas naturais, que estão na linha de frente da imunidade”, resume a autora do trabalho.

Estratagema evolutivo Quando ocorre uma invasão viral, as células infectadas tendem a expressar, em sua superfície, proteínas que sinalizam para o organismo que há algo errado ali. Trata-se da MIC-A e da MIC-B, dois dedos- duros que chamam a atenção do nosso exército imunológico. Identificando essas proteínas, as unidades NK são recrutadas até as células tomadas pelo vírus e as atacam, num rompante para deter a infecção.

É assim que se espera que as coisas funcionem. Acontece que o Sars-CoV-2 tem uma carta na manga para contornar essa operação. “Ele possui uma proteína acessória, a ORF6, que, quando o vírus se abre dentro da célula, vai até as MICs e as varre de lá”, explica Marcella.

Os dados obtidos sugerem que, a despeito da variante, o coronavírus se vale desse mecanismo para fugir da imunidade. Algo que só reforça a importância da vacinação, que dá subsídios ao corpo humano para montar uma resposta de defesa ao vírus.

Os resultados da pesquisa publicada na Cell – que envolveu o Hospital Geral de Massachussetts, o MIT e Harvard, sob a supervisão dos professores Wilfredo Garcia- Beltran e Julie Boucau, e teve coautoria de Jordan Hartmann abrem caminho a um entendimento de como um vírus de potencial pandêmico, como os coronavírus, aprenderam a evoluir para evadir do sistema imunológico de mamíferos. Trata-se de um achado relevante para buscar novos alvos terapêuticos ou formas de interromper a cascata infecciosa.

“E que ganha importância se pensarmos que tudo leva a crer que enfrentaremos novas pandemias”, afirma Marcella.

O grupo de Harvard inclusive já deu um passo além, pelo menos no que diz respeito ao Sars-CoV- 2. “A partir dos testes realizados, percebemos que existe um anticorpo monoclonal, um medicamento em fase pré-clínica, que consegue inutilizar essa via de escape do vírus”, revela Marcella. “Ele se liga às proteínas MIC e impede que a ORF6 consiga tirá-las de lá”.

O remédio está em fase experimental, mas talvez ofereça uma saída para evitar que pacientes infectados de maior risco se agravem quando internados.

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *