Grilagem de terras em cenário de disputa e desmatamento em locais que deveriam ser preservados expõem falta de fiscalização
Os estados da Amazônia Legal têm mais de 20 mil propriedades rurais sobrepostas ilegalmente a terras indígenas e unidades de conservação. O dado foi revelado nessa semana pelo estudo Cartografias da Violência na Amazônia, divulgado pelo Fórum Brasileiro de Segurança Pública, em parceria com o Instituto Mãe Crioula.
A quantidade expressiva de imóveis nessa condição escancara os efeitos da grilagem de terras na região, “fenômeno intimamente ligado ao desmatamento”, conforme destaca o texto da pesquisa. O resultado foi obtido a partir da análise dos registros do Sistema de Cadastro Ambiental Rural (Sicar).
Das mais de 20 mil propriedades ilegais, 8.610 estão sobre terras indígenas e 11.866 em áreas de unidades de conservação. No primeiro caso, a maior parte fica nos estados do Pará (2.181), Maranhão (1.477) e Mato Grosso (1.414), alguns dos que lideraram as taxas de desmatamento na Amazônia nos últimos anos.
A Terra Indígena Cachoeira Seca, no Pará, por exemplo, compreende uma área de 734 mil hectares, nos quais foram encontradas 530 propriedades rurais sobrepostas ilegalmente. O histórico na região é marcado por disputas entre os indígenas do povo Arara e grileiros, que pressionam a marcação do território com o desmatamento e exploração de madeira.
No Maranhão, a Terra Indígena Porquinhos dos Canela, do povo Apãnjekra, é a que mais sofre com a sobreposição de imóveis. São 487 registros, ao todo. Em Mato Grosso, a situação acomete, com maior intensidade, o território Apiaká do Pontal e Isolados, que fica no norte do estado e tem 134 propriedades sobrepostas. É nessa terra, de 982,3 mil hectares, que vive o povo Apiaká e Munduruku.
“Situação nas unidades de conservação é ainda mais grave”
O Fórum Brasileiro de Segurança Pública evidencia, no texto da pequisa, a gravidade ainda maior das unidades de conservação. Áreas que deveriam estar protegidas na Amazônia, hoje, têm mais de 11,8 mil propriedades rurais ilegais sobrepostas. E novamente, o estado que lidera essa situação é o Pará, com 4.489 casos registrados.
Conforme os dados, a Área de Proteção Ambiental (APA) do Tapajós e a Floresta Nacional (Flona) do Jamanxin são as duas mais atingidas, no estado. A primeira tem 978 imóveis sobrepostos e a segunda, 489. Ambas ficam na região sudoeste do território paraense, que é marcada por intenso desmatamento e atividade de garimpo.
Em segundo lugar, aparece o estado do Amazonas, com 2.055 registros de propriedades rurais sobrepostas. As unidades de conservação mais atingidas são o Parque Nacional dos Campos Amazônicos, com 264 sobreposições, e a Flona de Aripuanã, com 180. “Essas UCs estão sob influência do corredor da BR-230 e a grilagem de terras é impulsionada pela atividade de exploração madeireira”, aponta o estudo.
Registros de grilagem aumentaram 313%
Entre 2018 e 2023, os registros de grilagem de terra, na Amazônia, aumentaram 313,5%. Alguns estados passaram a atender denúncias e registrar o crime entre as ocorrências contabilizadas pela estatística de segurança pública. Para o Fórum Brasileiro de Segurança Pública, no entanto, apesar de ser um “passo importante”, isso ainda não basta. É preciso fazer investigações e responsabilizar os envolvidos.