Investigado pela Polícia Federal é dono de ONG em Alagoas que receberá
Com informações do site Metrópoles
Apenas quatro meses após ser alvo da Polícia Federal no Tocantins, Ramalho Souza Alves, dono da ONG Econacional, sediada em Maceió (AL) receberá R$ 26 milhões dos senadores e deputados do Distrito Federal,
Ramalho está na mira da Polícia Federal. Em agosto do ano passado, o empresário de 59 anos foi um dos alvos da Operação Fames 19, que investiga o desvio de recursos públicos na compra de 1,6 milhão de cestas básicas durante a pandemia de Covid-19.
Ramalho conseguiu, em dezembro, ganhar um contrato de R$ 26 milhões via bancada de deputados e senadores do Distrito Federal.
Apesar de ser investigado, Ramalho vai receber o dinheiro para os projetos “Emprega mulher” e “Empreendedora digital”, que prometem inserir mulheres no mercado de trabalho e estimular o empreendedorismo.
A ONG sediada em Alagoas não tem funcionários ou estrutura no Distrito Federal.
Desvio de verbas públicas
A PF aponta que R$ 5 milhões foram pagos pelo Governo do Tocantins a empresários, mas que boa parte das cestas básicas não foi entregue à população entre 2020 e 2021, quando a fome aumentou. No período, a administração estadual decretou emergência e, por isso, pôde escolher as empresas fornecedoras sem licitação.
O nome da operação, Fames, vem do latim: fome. A Polícia Federal cumpriu o total de 42 mandados de busca e apreensão, com autorização do Superior Tribunal de Justiça (STJ). Ramalho Souza Alves, que se define como administrador de empresas, é um dos investigados pela PF.
O dinheiro destinado à ONG Econacional, presidida por Ramalho, é oriundo da emenda de bancada do DF. Esse tipo de repasse, decidido em conjunto por deputados e senadores de um mesmo estado, busca financiar projetos para a região. Nos últimos anos, porém, o valor passou a ser dividido informalmente por cada parlamentar e ganhou o apelido de “novo orçamento secreto”, uma vez que, dado o caráter coletivo, dificulta a identificação individual do responsável pela emenda.
Segundo o site Metrópoles, que fez a denúncia, o repasse para a ONG tem a digital do deputado federal Alberto Fraga (PL-DF). Procurado pelo site, ele afirmou por mensagem que desconhecia o histórico do presidente da Econacional e disse que, “se as irregularidades forem comprovadas”, vai cancelar o repasse. “Se a ONG não for idônea, retiro a emenda.”
CGU e TCE apontam irregularidades
A Polícia Federal não é a única instituição do poder público a cobrar explicações de Ramalho Souza Alves. As atividades do empresário também são citadas pela Controladoria-Geral da União (CGU) e pelo Tribunal de Contas do Tocantins (TCE-TO) por causa da sua gestão à frente da Cooperativa de Trabalho em Serviços Gerais e Administrativo (Contrate), na qual exerce o cargo de diretor. Há indícios de irregularidades num contrato de R$ 4,6 milhões firmado em 2021 entre a Prefeitura de Aliança do Tocantins e a cooperativa.
De acordo com a CGU, a Contrate se passava por cooperativa, mas se comportava de fato como uma empresa. O TCE, por sua vez, apontou “ausência de justificativa” referente ao gasto de R$ 4,6 milhões relativo à contratação, e de R$ 867.893,04 concernente à taxa administrativa de 23%, constantes da Ata da Seção de Julgamento”. O TCE-TO citou Ramalho nominalmente para prestar esclarecimentos.
Esse contrato visava à prestação de serviços com contratação de 156 pessoas por 12 meses, para postos de trabalho que iam de enfermeiras e nutricionistas a garis e motoristas. Segundo a CGU, porém, houve subordinação dos trabalhadores à prefeitura. A Controladoria destacou que, numa “legítima terceirização de serviços, a empresa contratada se responsabiliza em entregar serviços determinados e específicos, e não apenas o fornecimento de mão de obra”.
De acordo com o relatório, outro aspecto que configura a intermediação de mão de obra na contratação é a “ausência de especialização da contratada”. Como destacou o órgão, numa terceirização a empresa precisa ser especializada na entrega do serviço, devendo logicamente ser melhor na sua execução que a própria contratante. A intermediação de mão de obra subordinada à contratante é vedada pela Lei das Cooperativas.
“Porém, observa-se que a cooperativa foi contratada para fornecer os mais variados tipos de profissionais: enfermeiro, coveiro, motorista, auxiliar de serviços gerais, psicólogo, assistente social, vigia, recepcionista, odontólogo, mecânico, veterinário, nutricionista, entre outros, demonstrando não ser especializada em nenhuma área específica. Constatou-se também a existência de indícios de que a Cooperativa Contrate atua como empresa e não como uma autêntica cooperativa de trabalho”, destacou o parecer da CGU.
No cooperativismo, os cooperados agem como sócios e participam da administração da entidade. Os associados decidem os rumos da organização em assembleias. A CGU chegou a se reunir com representantes da Contrate e cobrou as atas das reuniões, sem a devida resposta. Na semana em que os fiscais estiveram em Aliança do Tocantins, a cooperativa chegou a convocar um encontro.
“A assembleia supramencionada aconteceria na sede da Contrate, localizada no município de Ubaíra-BA, a uma distância de 1.362 km de Aliança do Tocantins. Dessa forma, seria inviável a participação dos cooperados desse município nas decisões da cooperativa”, escreveram os técnicos da Controladoria.
Ubaíra é o município onde Ramalho cresceu e construiu relações políticas. Ele consta como autor das seguintes doações eleitorais:
2020: R$ 300 para o candidato a vereador em Ubaíra Adailton Oliveira, o “Pedra Beba”; R$ 200 para o candidato a vereador por Salvador Alexandre Almeida.
2012: R$ 3 mil (R$ 7.2 mil em valores atuais) para o comitê de campanha a prefeito de Ubaíra.
2008: R$ 500 (R$ 1,5 mil em valores atuais) para a campanha a vereador de Manoel Ferreira, também em Ubaíra.
Novo orçamento secreto
As emendas de bancada (RP-7) fazem parte do “novo orçamento secreto”. Esse tipo de repasse, decidido em conjunto pelos deputados e senadores de um mesmo estado, tem como objetivo promover o financiamento de projetos estruturantes para sua unidade federativa. Nos últimos anos, porém, o valor passou a ser dividido informalmente para cada parlamentar, resultando na pulverização de investimentos.
Dessa forma, toda a bancada responde pelas emendas, sem informação pública sobre qual deputado ou qual senador é, de fato, o padrinho de cada projeto. A lógica segue a máxima de que “se todos são responsáveis, ninguém é responsável”. O mesmo ocorre com as emendas de comissões temáticas do Congresso, onde a Comissão de Saúde, por exemplo, faz vários repasses para essa área, sem indicativo de qual congressista pediu cada pagamento.
As emendas de comissão e de bancada substituíram as emendas de relator, o “orçamento secreto original”, tornado inconstitucional por decisão do Supremo Tribunal Federal. O “novo orçamento secreto” passou a ser alvo do ministro Flávio Dino, que chegou a interromper esse tipo de repasse até que o Congresso e o governo federal adotassem as regras de transparêncpia estabelecidas. Em janeiro, o magistrado interrompeu os repasses para ONGs que não são transparentes.