Por Victório Dell Pyrro
Brasília – 23 de maio de 2025
Ontem, no Supremo Tribunal Federal, Alexandre de Moraes — também conhecido como Juiz dos Juízes, ou, para os íntimos, Xerife do Judiciário — protagonizou mais um espetáculo digno de picadeiro, onde os palhaços somos nós.
Curiosamente, hoje, sexta-feira (23) um dia após declarar solenemente que “não aceita circo em seu tribunal”, o ministro foi o mestre de cerimônias de uma sessão que, se não tivesse o peso da toga, poderia muito bem ter sido transmitida em programa humorístico.
A estrela convidada? Aldo Rebelo, ex-ministro, ex-presidente da Câmara dos Deputados e agora, aparentemente, aspirante a professor de semântica.
Durante seu depoimento como testemunha de defesa do almirante Almir Garnier, Rebelo ousou o imperdoável: interpretar a língua portuguesa em uma resposta.
Rebelo depõe como testemunha de defesa de Almir Garnier. Ao ser questionado pelo advogado de Garnier, Demóstenes Torres, sobre um possível apoio do cliente a uma tentativa de golpe, Rebelo tentou interpretar a língua portuguesa.
Demóstenes perguntou se seria possível a Marinha, comandada por Garnier, dar um golpe sozinha e citou que é colocado na denúncia que Garnier colocou as tropas à disposição do então presidente da República, Jair Bolsonaro (PL).
A resposta veio com semântica.
“É preciso levar em conta que na língua portuguesa nós conhecemos aquilo que se usa muitas vezes que é a força da expressão”, filosofou o ex-ministro. “Quando alguém diz que ‘estou frito’ não significa que está dentro de uma frigideira… Quando alguém diz estou à disposição, a expressão não precisa ser lida literalmente”.
Poesia demais para o pragmatismo cartesiano de Alexandre de Moraes, que, irritado, cortou a aula de português com a sensibilidade de um rolo compressor. “O senhor estava na reunião quando o almirante Garnier disse a expressão? Então o senhor não tem condição de avaliar a língua portuguesa naquele momento.
Cabe a nós, os palhaços, descobrirmos porque o semântico ex-ministro estava depondo e se a língua mãe tem momentos diversos do que ela mesma diz.
“Atenha-se aos fatos”, cravou o embravecido togado, decretando ali o fim da liberdade linguística de interpretação das testemunhas nos domínios do Supremo, chamado por ele mesmo de “meu tribunal”.
Rebelo, que talvez esperasse um ambiente mais acadêmico, não se intimidou. “Em primeiro lugar, a minha apreciação da língua portuguesa é minha e eu não admito censura”, retrucou, com a audácia de quem ainda acredita em liberdade de expressão, mesmo em um tribunal que não aceita palhaçadas.
“Se o senhor não se comportar, o senhor será preso por desacato”, disse Moraes, evocando o espírito de um Bedel de colégio autoritário.
Ora, ora, onde houve o tal desacato, me pergunto, como palhaço mor que sou ao ter que acompanhar as peripécias jurídicas e políticas na capital do país.
Rebelo respondeu, até educadamente: “Estou me comportando”. Mas a educação não costuma arrefecer quem já subiu no salto da autoridade no passado.
Moraes então determinou: “Então se comporte e responda à pergunta. Responde sim ou não.”
Mas o ex-ministro, fiel à complexidade da língua de Camões, se recusou a prestar tributo ao simplismo binário exigido pelo togado: “Não. Não posso responder sim ou não”.
O advogado do réu, tratou rapinho de propor outra pergunta para não prejudicar sua parte (se é que isso é possível, dadas as circunstâncias da saga condenatória dos supostos golpistas, que estão sendo condenados em baciada a até17 anos de cela).
E assim se seguiu a audiência — uma comédia involuntária talvez, mas uma ópera bufa togada, com personagens que variavam entre o irônico, o autoritário e o tragicômico.
No final, ficou claro: circo mesmo, só aquele que não se autodeclara. Porque no STF de Moraes, não há espaço para palhaçadas — a não ser que estejam sob controle absoluto do diretor do espetáculo bizarro e sem controle externo, visto que o Senado Federal, único com poder moderador deste tipo de show, sucumbe solenemente sob a batuta de um Alcolumbre que nada fez, nada fará.

