Um dos maiores escândalos da história recente da Previdência Social brasileira veio à tona em 2025, revelando um esquema de fraudes que desviou bilhões de reais dos benefícios de aposentados e pensionistas do Instituto Nacional do Seguro Social (INSS). A operação, batizada de “Sem Desconto”, foi deflagrada pela Polícia Federal (PF) e pela Controladoria-Geral da União (CGU), expondo a participação de bancos, entidades associativas e servidores públicos em práticas ilícitas que afetaram milhões de beneficiários.
O Esquema
Entre 2019 e 2024, diversas associações de classe passaram a descontar valores diretamente dos benefícios previdenciários de aposentados e pensionistas, alegando oferecer serviços como assessoria jurídica, planos de saúde e assistência funerária. Esses descontos eram realizados sem a autorização expressa dos beneficiários, utilizando-se de Acordos de Cooperação Técnica (ACT) firmados com o INSS. A prática resultou em prejuízos estimados em R$ 6,3 bilhões, valor posteriormente atualizado para R$ 8 bilhões, afetando cerca de 9 milhões de beneficiários.
Entidades Envolvidas
A Associação dos Aposentados Mutualistas para Benefícios Coletivos (Ambec) é apontada como uma das principais envolvidas no esquema. Firmando um ACT com o INSS em 2021, a Ambec passou de apenas três filiados para mais de 650 mil em 2024, com um faturamento mensal superior a R$ 30 milhões. Outras entidades, como o Centro de Estudos dos Benefícios dos Aposentados e Pensionistas (Cebap) e a União dos Aposentados e Pensionistas do Brasil (Unsbras), também estão sob investigação por práticas semelhantes.
Investigações apontam que essas entidades estão ligadas a empresários do setor de seguros e planos de saúde, como Maurício Camisotti, dono do Grupo Total Health. A Benfix Corretora de Seguros, pertencente a Camisotti, teria recebido repasses de R$ 10,8 milhões dessas associações, indicando uma operação conjunta para desviar recursos dos beneficiários do INSS.
Envolvimento de Bancos
O Banco C6 também está no centro das investigações. O Ministério Público Federal (MPF) ajuizou ação civil pública para impedir que o banco conceda empréstimos consignados a segurados do INSS sem o consentimento dos mesmos. A ação destaca que assinaturas foram falsificadas e que o banco realizou descontos indevidos diretamente nos benefícios dos aposentados, muitos dos quais são idosos e pessoas com deficiência. O MPF solicita ainda o pagamento de R$ 10 milhões por danos morais coletivos.
Uma delas é o Balcão das Oportunidades, que recebeu R$ 9 milhões da Ambec e da Cebap, outra entidade ligada a Camisotti. Com as entidades, a empresa tem um contrato que prevê atrair novos associados a elas em meio à venda de consignados. Em troca, receberia 100% da primeira mensalidade dos novos filiados e 21% de todas as demais descontadas desses aposentados.
Em resposta, o Banco C6 afirmou que os casos referem-se a práticas de 2020 e que, desde 2021, adotou métodos digitais com biometria facial para formalização de contratos, resultando em uma queda significativa nas reclamações. O banco também firmou um acordo com o Ministério Público de Minas Gerais para tratar casos semelhantes, envolvendo alterações operacionais e bonificações aos clientes prejudicados.
O Banco BMG também foi implicado no escândalo. Em 2022, a Secretaria Nacional do Consumidor (Senacon), vinculada ao Ministério da Justiça, multou o BMG em R$ 5,1 milhões por uso indevido de dados pessoais de idosos e oferta abusiva de empréstimos consignados. A investigação revelou que correspondentes bancários do BMG coletavam dados de aposentados sem consentimento para oferecer crédito consignado, caracterizando assédio e exploração da vulnerabilidade desses consumidores. A Senacon concluiu que o banco falhou em fiscalizar as ações de seus representantes, infringindo o Código de Defesa do Consumidor.
Além disso, o BMG enfrentou diversas ações judiciais por descontos indevidos nos benefícios do INSS. Em um caso, o banco foi condenado a pagar R$ 10 mil por danos morais a uma aposentada que sofreu descontos não autorizados em seu benefício. Em outra decisão, a Justiça de São Paulo ordenou que o BMG cessasse os descontos referentes à Reserva de Margem Consignável (RMC) e ressarcisse o segurado em dobro, além de pagar R$ 7 mil por danos morais.
Ações das Autoridades
A operação “Sem Desconto” resultou no cumprimento de 211 mandados de busca e apreensão em 13 estados e no Distrito Federal, além de seis mandados de prisão, com três detenções efetuadas. O então presidente do INSS, Alessandro Stefanutto, foi afastado do cargo, e a PF recuperou cerca de R$ 1 bilhão em bens e valores. A CGU determinou a paralisação de todos os descontos feitos pelas associações e a retenção dos valores que seriam repassados em maio.
Repercussões Políticas
O escândalo gerou intensa repercussão política. Parlamentares do Partido dos Trabalhadores (PT) atribuíram a responsabilidade à gestão anterior do governo Jair Bolsonaro pela multiplicação dos convênios suspeitos entre 2019 e 2022. O então ministro da Previdência, Carlos Lupi (PDT), admitiu ter sido alertado sobre irregularidades, mas negou responsabilidade direta e pediu demissão em 2 de maio. O governo nomeou Wolney Queiroz como seu substituto.
Impacto Social
O esquema afetou gravemente a vida de milhões de aposentados e pensionistas, muitos dos quais dependem exclusivamente dos benefícios do INSS para sua subsistência. Em alguns municípios do interior do Nordeste, mais de 60% dos aposentados foram afetados pelos descontos indevidos. A CGU e o Tribunal de Contas da União (TCU) continuam as investigações para responsabilizar os envolvidos e recuperar os recursos desviados.

