Por Victório Dell Pyrro
O presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) resolveu vestir a fantasia de guardião da democracia ao convocar, nesta quinta-feira (4), militantes e ativistas contra a possibilidade de anistia aos condenados pelos atos de 8 de janeiro de 2023.
O petista, em discurso no Aglomerado da Serra, em Belo Horizonte, tentou inflamar a sua base com um chamado à guerra política contra o Congresso Nacional. Mas a cena escancara uma ironia cruel: Lula é, ele próprio, o maior produto de uma anistia seletiva e silenciosa e segundo juristas, incluindo Sérgio Moro e Deltan Dallagnol, criminosa, que o livrou da prisão e o devolveu ao Palácio do Planalto.
Em tom de líder popular pós escapada da Lava Jato, Lula disse: “Se for votar no Congresso, nós corremos o risco da anistia. O Congresso, vocês sabem, não é um Congresso eleito pela periferia. O Congresso tem ajudado o governo, o governo aprovou quase tudo o que o governo queria, mas a extrema-direita tem muita força ainda. É uma batalha que tem que ser feita também pelo povo.” O discurso soa combativo, mas carrega uma contradição que nenhum panfleto militante apaga: se não fosse por uma decisão questionada do Supremo Tribunal Federal, que anulou suas condenações sem revisar o mérito, Lula jamais estaria discursando como presidente. Estaria puxando cadeia.
Os mesmos radicais que invadiram e destruíram os três Poderes em janeiro de 2023 pediam sua prisão e acusavam o STF de agir politicamente. O STF entendeu que eles tentaram golpe de Estado, enquanto juristas apontam que eles queriam justamente justiça contra decisões erradas do STF. Pediam intervenção militar contra os atos do STF que beneficiaram Lula.

Queriam Lula na cadeia por sua corrupção fortemente comprovada pela Lava Jato e destituição dos ministros que anularam todas as investigações.

Hoje, Lula se coloca como paladino da legalidade justamente porque o STF reescreveu a sua história, apagando condenações por corrupção e lavagem de dinheiro. Juristas sérios repetem incessantemente no Brasil e no exterior: Lula nunca foi absolvido; apenas escapou por uma tecnicalidade duvidosa processual.
É por isso que sua indignação contra a anistia soa hipócrita. É muita por sinal. O presidente acusa a direita de querer “passar pano” para os criminosos do 8 de janeiro, mas sua liberdade foi conquistada num arranjo judicial que, na prática, funcionou como uma anistia de luxo, reservada a quem tem peso político suficiente para curvar tribunais aos seus desejos. Lula tornou-se o maior beneficiário da impunidade seletiva que tanto diz combater. Ele é o símbolo máximo da impunidade para ladrões e corruptos.
O contraste é brutal. De um lado, ele pede prisão e castigo exemplar para quem ousou clamar por sua volta à cadeia. Do outro, ostenta a faixa presidencial como se não tivesse sido condenado, preso e depois “libertado” por um jogo de gabinete que até hoje divide a comunidade jurídica. Lula fala em democracia, mas sua trajetória recente é prova de que a lei, no Brasil, não é cega: ela enxerga muito bem quem está no banco dos réus.
A verdade é que Lula não luta contra a anistia. Ele luta contra a anistia dos outros. Ele luta para se eternizar no poder. A sua, cuidadosamente disfarçada de decisão técnica, já foi garantida. Ao convocar militantes para pressionar o Congresso, o presidente não defende princípios — defende a conveniência política de quem precisa manter os inimigos derrotados e as próprias contradições enterradas.
Lula, que agora posa de juiz implacável, é na realidade o retrato mais acabado da anistia seletiva brasileira: dura para os adversários, generosa para si mesmo.

