O ministro aposentado do Supremo defende que graça presidencial concedida por Bolsonaro ao deputado Daniel Silveira “não está sujeita a impugnação do Judiciário”, mas vê nova crise entre os Poderes
“O ato do Presidente da República é soberano e não fica sujeito à impugnação do Judiciário.” É o que avalia o ministro aposentado do Supremo Tribunal Federal (STF) Marco Aurélio Mello sobre a graça presidencial concedida pelo presidente Jair Bolsonaro ao deputado Daniel Silveira (PTB-RJ), na semana passada. Contudo, de acordo com o ex-ministro do STF, ato do chefe do Executivo culmina em um “descompasso nefasto e negativo” e abre uma nova crise entre os Poderes.
“O que começa errado tende a se complicar. Primeiro: a fala do Daniel, para mim, implica quebra de decoro. Segundo: o Supremo julgá-lo em que pese a inviolabilidade quanto a palavras e opiniões. Terceiro: o presidente implementar a graça. Na verdade, o que deveria acontecer era pensar realmente na República, na desigualdade social que temos e tentar corrigi-la e não ficar nesse antagonismo”, apontou.
Daniel Silveira foi condenado pelos ministros do STF, na quarta-feira, a oito anos e nove meses em regime fechado. Ele foi acusado de cometer atos antidemocráticos ao ameaçar os magistrados da Suprema Corte em vídeos e pronunciamentos. No dia seguinte, Bolsonaro concedeu a graça presidencial ao deputado.
Segundo Marco Aurélio, ainda que o parlamentar seja próximo do chefe do Executivo, não implica desvio de finalidade como acusavam partidos políticos. “Ele (Bolsonaro) foi eleito, é o presidente do país. Podia implementar a graça e o fez. Podemos não gostar da atitude dele, mas foi um ato soberano do presidente da República. O que é benefício próprio? O fato de Daniel ser correligionário? A Constituição Federal não limita em si o benefício. Torno a afirmar que o presidente usou o poder que tinha”, afirmou.
Pela lei, o Supremo Tribunal Federal tem a competência constitucional para processar e julgar parlamentares. Já o presidente da República tem a competência privativa de conceder indultos, mesmo a quem nãoseja parlamentar.
Apesar do indulto presidencial, o deputado ainda pode ter a suspensão dos direitos políticos, a perda do mandato e a consequente inelegibilidade, que não são alcançados pelo decreto de indulto presidencial.
Segundo a Constituição, a suspensão dos direitos políticos será declarada pela Mesa Diretora da Câmara dos Deputados.
Contudo, a Lei da Ficha Limpa dispõe que a inelegibilidade decorre da condenação por um colegiado. Caso se entenda que a punibilidade foi extinta, é possível que se mantenha elegível.
Ao ser questionado sobre a legitimidade de o ministro Alexandre de Moraes relatar o julgamento de Silveira, haja vista que foi alvo direto das ofensas e ataques, bem como da relação conturbada com o presidente Bolsonaro, Marco Aurélio disse que o parlamentar, na verdade, insultou toda a Corte. “Ele ofendeu a própria instituição, ofendeu a todos os ministros. O que incumbia o Supremo oficiar a Câmara e dizendo da quebra do decoro e preconizando por um processo administrativo político para o deputado ser cassado”, comentou.
Quando ainda era ministro, Marco Aurélio votou para arquivar a denúncia contra Silveira, por entender que deputados e senadores não devem responder cível e penalmente por suas opiniões, palavras e votos — é a chamada imunidade parlamentar.
O ex-ministro afirmou que, se ainda integrasse o tribunal, seria também contrário à condenação. “Se colocou em segundo plano a inviolabilidade dos parlamentares”, afirmou ao Valor. “E o que começa errado, tende a continuar errado e a provocar repercussões mil.”
Apesar da sua percepção individual sobre a imunidade parlamentar, Marco Aurélio afirma que o decreto do presidente acentua o descompasso entre os Poderes Executivo e Judiciário, o que é prejudicial ao país e à democracia.
“Não gostaria de estar vivenciando o que estou vivenciando hoje, mas infelizmente é a realidade. Vamos aguardar os desdobramentos que não são animadores”, concluiu o ex-decano.