Dnocs era destino das verbas utilizadas em obras fraudulentas em diversos estados do Brasil e pode levar para a lama candidatos fortes para assumir a presidência do Senado e da Câmara
A complexa investigação conduzida pela Polícia Federal (PF) que revelou esquema bilionário de corrupção, lavagem de dinheiro e fraudes em licitações deve chegar em políticos influentes em Brasília.
Sob investigação desde 2023, no âmbito da Operação Overclean, a organização, segundo a PF, operava com precisão cirúrgica, utilizando emendas parlamentares e convênios para canalizar verbas públicas em benefício próprio.
As fraudes, desvendadas durante a Operação Overclean, envolvem contratos firmados principalmente com o Departamento Nacional de Obras Contra as Secas (Dnocs) da Bahia, que concentraram R$ 825 milhões dos desvios apenas em 2024. A investigação já aponta desdobramentos que podem atingir políticos influentes em Brasília.
Em uma cela no Centro de Observação Penal do Complexo Penitenciário de Salvador, há um arquivo vivo que se for aberto, poderá causar sérios prejuízos aos principais dirigentes do União Brasil, um dos maiores partidos políticos do país. Preso desde o último dia 10, o empresário José Marcos Moura é, segundo a Polícia Federal, peça-chave de uma organização criminosa que teria desviado 1,4 bilhão de recursos públicos.
José Marcos de Moura, também conhecido como Rei do Lixo, articulava politicamente para expandir a rede de influência e contratos da quadrilha.
Já Lucas Maciel Lobão Vieira gerenciava obras e contratos, principalmente no Dnocs, por meio da empresa Allpha Pavimentações.
O mecanismo operado pela quadrilha era dividido em três núcleos especializados. O grupo principal, liderado por Alex Rezende Parente, coordenava as fraudes
Segundo as investigações, Alex Parente tinha o apoio de seu irmão Fábio Rezende Parente, executor financeiro que realizava transferências por meio de empresas fantasmas.
Propina
Os investigados operavam de maneira meticulosa para cooptar servidores públicos. O aliciamento ocorria por meio de promessas de benefícios financeiros e favores políticos.
Dessa forma, funcionários do governo passavam a manipular processos de licitação e a facilitar a celebração de contratos fraudulentos. Em troca, recebiam propina.
Os recursos desviados eram movimentados por meio de um esquema sofisticado de lavagem de dinheiro, que incluía transferências para empresas fantasmas e o uso de intermediários. Essas empresas, muitas vezes criadas exclusivamente para esse fim, emitiam notas fiscais falsas para justificar os pagamentos.
A PF descobriu que a organização também inflacionava as planilhas de custos dos contratos e incluía itens desnecessários, resultando em superfaturamento significativo. As obras, por sua vez, apresentavam baixa qualidade, com serviços incompletos ou mal executados.
Para mascarar essas falhas e justificar os pagamentos, a quadrilha produzia relatórios fraudulentos, que utilizavam fotografias de outras obras como evidência.
Nas vésperas do Natal, início da semana passada, a segunda fase da Operação Overclean levou para a cadeia o que a PF considera peixes pequenos. O vice-prefeito de Lauro de Freitas, Vidigal Cafezeiro (Republicanos), e outras três pessoas foram presas por suspeita de desvio de dinheiro de emendas parlamentares, deflagrada pela Polícia Federal na manhã da segunda-feira (23).
Os mandados foram cumpridos na sede da Prefeitura de Lauro de Freitas, na Região Metropolitana de Salvador, e em Vitória da Conquista, no sudoeste da Bahia.
Além do vice-prefeito, foram presos Lucas Moreira Martins Dias, secretário de Mobilidade Urbana de Vitória da Conquista, Carlos André de Brito Coelho, ex-prefeito de Santa Cruz da Vitória, e o policial federal Rogério Magno Almeida Medeiros. Também houve o afastamento de Lara Betânia Lélis Oliveira, servidora da Prefeitura de Vitória da Conquista.
Moura é ligado ao primeiro vice-presidente nacional do União Brasil, ACM Neto. Suas empresas, que atuam no ramo de limpeza urbana, têm contratos bilionários com a prefeitura de Salvador desde a gestão gestão de Neto (2013-2020), herdados pelo atual gestor e afilhado político Bruno Reis (União Brasil). Isso lhe rendeu a alcunha de “Rei do Lixo”. Além dos contratos públicos, Moura é sócio da irmã de ACM Neto, Renata Magalhães na propriedade de um jatinho particular.
Neste ano, o empresário aproximou-se também do presidente nacional do partido, Antonio Rueda, eleito em fevereiro para o cargo.
A aproximação coincidiu com o aumento do volume do esquema. Segundo a Polícia Federal, de 1,4 bilhão de reais movimentados pelo grupo nos últimos quatro anos, mais da metade (824 milhões de reais) se refere a contratos firmados em 2024 com prefeituras administradas pelo União Brasil. De acordo com a PF, o esquema abrangia dezenas de municípios administrados pelo partido em dezessete estados.
Em relatório, a Polícia Federal aponta a citação a Ana Paula Magalhães, chefe de gabinete do senador Davi Alcolumbre (União Brasil-AP), nas negociações com suspeitos presos na operação.
Ana Paula aparece na troca de mensagens entre os suspeitos como “Ana Paula Davi”. Alcolumbre é o principal nome cotado para assumir a presidência do Senado daqui a um mês.
A operação também pode atingir o deputado federal Elmar Nascimento (União Brasil-BA), que até pouco tempo atrás era o principal nome cotado para disputar a presidência da Câmara. Um dos presos da operação é o vereador eleito de Campo Formoso Francisco Manoel do Nascimento Neto, primo de Elmar. Quando a Overclean foi deflagrada, Francisco tentou se livrar, jogando pela janela, uma mala com mais de 220.000 reais em espécie, que foi apreendida.
Uma semana antes, a PF havia interceptado em uma aeronave particular mais de 1,5 milhão de reais em espécie com os envolvidos.
Com os investigados também foi apreendida uma planilha em que estavam listados contratos com prefeituras do Rio de Janeiro e Amapá no valor de 200 milhões de reais, além de uma menção à sigla MM, que investigadores apontam como sendo Marcos Moura.
Ao todo a Operação Overclean apreendeu em poder dos investigados 3,4 milhões de reais em espécie, além de 23 carros, três aeronaves, três barcos, seis imóveis e 38 relógios de alto padrão.
O presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) chegou a receber no Palácio do Planalto, o deputado Elmar Nascimento (União Brasil-BA), para tratar da candidatura para a presidência da Câmara.
O presidente já esteve com Hugo Motta (Republicanos-PB) e deve se reunir com Antonio Brito (PSD-BA). A eleição do próximo presidente da Câmara ocorre em fevereiro.
Elmar, que é líder do União Brasil, se encontrou com Lula acompanhado dos ministros Celso Sabino (Turismo) e Juscelino Filho (Comunicações), que também são filiados ao partido.
Já no Senado, Lula apoia Davi Alcolumbre (União Brasil-AP) para suceder Rodrigo Pacheco na presidência da Casa e todos os nove senadores do partido do governo declararam apoio ao investigado na Operação Overclean.
Recentemente, Flávio Dino citou as malas de dinheiro quando decidiu barrar as Emendas de Parlamentares da Câmara e do Senado.
Na decisão que suspendeu o pagamento de R$ 4,2 bilhões em emendas parlamentares, o ministro Flávio Dino, do Supremo Tribunal Federal (STF), citou episódios de mau uso do recurso público, que incluem “malas de dinheiro sendo apreendidas em aviões, cofres, armários ou jogadas por janelas”.
“Não é compatível com a ordem constitucional, notadamente com os princípios da Administração Pública e das Finanças Públicas, a continuidade desse ciclo de (i) denúncias, nas tribunas das Casas do Congresso Nacional e nos meios de comunicação, acerca de obras malfeitas; (ii) desvios de verbas identificados em auditorias dos Tribunais de Contas e das Controladorias; (iii) malas de dinheiro sendo apreendidas em aviões, cofres, armários ou jogadas por janelas, em face de seguidas operações policiais e do Ministério Público”, destacou Dino na decisão.
A operação não subiu para o STF, o que indica que os nomes dos parlamentares não estão oficialmente como investigados.