Lula reduz chances de negociações com EUA sobre tarifas com falas eleitoreiras

Declarações recentes do presidente, voltadas ao público interno, são vistas como obstáculos ao diálogo diplomático com Washington sobre barreiras comerciais impostas ao Brasil

A retórica política adotada pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva nos últimos discursos públicos, marcada por críticas diretas aos Estados Unidos e tom nacionalista acentuado, tem sido vista por analistas, diplomatas e integrantes do próprio governo como um entrave adicional às tentativas de negociação para derrubar barreiras tarifárias impostas por Washington a produtos brasileiros.

Nas últimas semanas, Lula elevou o tom contra os EUA, acusando o governo norte-americano de “proteger sua indústria com muros” e “penalizar países em desenvolvimento com medidas unilaterais e injustas”.

Lula critica a relação de Trump com o ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) e seu entorno da direita brasileira ironizando a atuação dos EUA em relação a punições aos ministros do Supremo Tribunal Federal (STF) e ao procurador-geral da República, Paulo Gonet, que estão proibidos de entrarem nos EUA, por ataques à democraciave liberdadede expressão, segundo Trump.

Os discursos têm sido direcionados majoritariamente ao eleitorado interno, mirando sindicatos, produtores rurais e setores industriais — públicos-chave da base lulista em ano pré-eleitoral.

No entanto, fontes diplomáticas ouvidas pela BSB Revista relatam que essa postura tem causado incômodo no Departamento de Estado norte-americano, que monitora com atenção a retórica do presidente brasileiro.

Uma autoridade dos EUA, sob condição de anonimato, afirmou que “é difícil avançar em qualquer mesa de negociação com alguém que escolhe atacar publicamente seus interlocutores”. A mesma fonte indicou que as falas de Lula estão sendo tratadas com cautela, mas o clima não é favorável.

Tarifaço de Trump mantido

O centro da disputa entre Brasil e Estados Unidos gira em torno das tarifas adicionais de 50% impostas pelo governo Donald Trump, afetando a competitividade de exportadores nacionais.

Em julho, o Itamaraty encaminhou fala à Organização Mundial do Comércio (OMC) solicitando a revisão das medidas e reafirmando disposição para o diálogo bilateral. Nos bastidores, no entanto, diplomatas reconhecem que o cenário político internacional e o distanciamento entre os presidentes Lula e Trump tornam o caminho mais difícil.

“Enquanto o Itamaraty busca uma solução técnica e discreta, o discurso político acirrado de Lula acaba por esvaziar a eficácia desses esforços”, disse um ex-embaixador do Brasil em Washington, sob reserva. “Nenhum governo quer parecer que cede a quem o acusa publicamente.”

Reação de setores produtivos

Empresários e representantes da indústria brasileira demonstram crescente frustração com o que chamam de “politização da política externa”. Em nota, o Instituto Aço Brasil declarou que “qualquer avanço na retirada de barreiras depende de uma postura construtiva e pragmática, não de confrontos verbais que apenas aumentam o ruído”.

A Confederação da Agricultura e Pecuária do Brasil (CNA) também tem pressionado o governo por resultados, especialmente após as restrições norte-americanas sobre carne processada e frutas tropicais brasileiras serem mantidas, sob pretextos sanitários. Internamente, há quem defenda que o Planalto reduza o tom e retome o foco técnico nas tratativas.

Eleições americanas e clima de incerteza

Outro fator que adiciona instabilidade às negociações é o calendário eleitoral dos Estados Unidos. A campanha presidencial de 2026 já ganha corpo e a política comercial tende a se tornar um tema sensível no debate interno americano. Especialistas afirmam que o governo Trump pouco arriscará mudar políticas tarifárias agora, sob risco de parecer fraco frente ao eleitorado nacionalista ou de abrir brechas que favoreçam o retorno de Donald Trump ou outro republicano.

Assim, mesmo que a retórica de Lula se modere nos próximos meses, a expectativa é que qualquer avanço concreto nas negociações fique para depois das eleições americanas.

A retórica eleitoreira do presidente Lula, embora alinhada a interesses internos dele e ao seu discurso histórico de soberania nacional, mina a já difícil interlocução com os Estados Unidos no campo comercial. Em um cenário de tensões diplomáticas, protecionismo global e disputas eleitorais nos dois países, a diplomacia brasileira enfrenta um campo minado, em que cada palavra pública pode custar bilhões em exportações ou oportunidades perdidas de integração com o maior mercado do mundo.

Cadeias produtivas brasileiras já registram impactos severos. Entre elas, os setores a seguir:

-Carne bovina e tilápia: Frigoríficos como JBS, Minerva, Naturafrig e Iguatemi, especialmente no Mato Grosso do Sul, suspenderam exportações para os EUA. No caso da tilápia, quase 100% da produção do estado destina-se ao mercado americano.

-Pescados (peixe, lagosta, camarão): Mais de 58 contêineres retidos nos portos do Ceará, Pernambuco e Bahia, com exportações suspensas. Aproximadamente 70% do setor exporta para os EUA.

-Mel orgânico: No Piauí, encomendas canceladas e 95 t de produto retidas nos portos — liberação acinteceu só após negociações emergenciais. Novas importações estão suspensas.

-Madeira e móveis: Empresas do Paraná e Rio Grande do Sul anunciaram férias coletivas e paralisação de embarques; o setor madeireiro exporta 42 % para os EUA.

-Mármores e granitos (Espírito Santo): suspendidos embarques, visto que EUA representam 66 % das vendas externas do setor.

-Calçados: Setor com 22 % da produção voltada aos EUA já vê cancelamentos de pedidos, com potencial de demissões (7 000 diretas e 5 000 indiretas).

-Manga: Exportações previstas para agosto foram suspensas por produtores do Vale do São Francisco, com perdas estimadas de mais de US$ 50 milhões.

-Suco de laranja: Principal produto de exportação do Brasil para os EUA (e maior fornecedor mundial) enfrenta risco de suspensão total ou inviabilização; o setor já foi pego de surpresa.

-Café: Pequenos produtores já enfrentam cancelamento de pedidos e forte queda na competitividade — os EUA consomem cerca de 16–30% do café brasileiro exportado.

-Aeronaves (Embraer): A empresa alertou que tarifas poderiam encarecer cada jato vendido nos EUA em cerca de US$ 9 milhões e levar à paralisação da produção para o mercado americano.


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